Nada como o tempo (ou, quem ri por último...)
O ano era 1973. O Dr. Robert Atkins havia publicado seu livro há apenas 1 ano, mas já tinha vendido mais de 1 milhão de cópias. Foi chamado a se explicar perante o mesmo comitê do Senado americano que viria posteriormente a nos brindar com os "Objetivos Dietéticos para os Americanos", que redundaram na pirâmide alimentar. O Senador Charles Percy, do estado do Illinois, disparou, dedo em riste: "a dieta Atkins é bobagem!", "seu autor deveria ser acusado de erro médico!".
RINDO POR ÚLTIMO: o Dr. Atkins, mostrando que uma dieta low carb não é apenas ovo com bacon |
A resposta de Robert Atkins, reproduzida no início da postagem, foi "É incrível que nos EUA, no século 20, um médico consciencioso acabe por colocar na reta a sua reputação, duramente construída, apenas por OUSAR sugerir que uma vítima de obesidade possa obter algum alívio ao cortar açúcares e amido"
Infelizmente, o Dr. Atkins não está mais entre nós (escorregou no gelo e bateu a cabeça em 2003), mas há certa justiça poética na reportagem abaixo, publicada na revista New Yorker.
Afinal, quem está sendo duramente questionado pelo Congresso americano, dessa vez, não é um médico que "ousou" sugerir que a restrição de carboidratos possa ajudar pessoas obesas, e sim os representantes das organizações que deixaram de lhe dar ouvidos há 40 anos. Isso mesmo. As duas pessoas na foto abaixo, tendo que dar explicações, são o Secretário da Agricultura e a Secretária da Saúde dos EUA. Se Atkins estivesse vivo, estaria sorrindo, como na foto acima. Nada como o tempo...
O QUE AS DIRETRIZES DIETÉTICAS GOVERNAMENTAIS PODEM ENTENDER ERRADO (tradução obtida no blog paleodiário)
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Sam Apple
É difícil não sentir-se um pouco mal por Tom Vilsack e Sylvia Burwell.
Como os cabeças do Departamento de Agricultura Americano e do
Departamento de Saúde e Serviços Humanos respectivamente, Vilsack e
Burwell são responsáveis por publicar a atualização desse ano das
Diretrizes Dietéticas para os Americanos. As diretrizes, que espera-se
sejam publicadas antes do fim de 2015, informam todas iniciativas do
governo federal e programas assistenciais de alimentação, incluindo
almoços e desjejuns escolares. Estima-se que elas afetem 1 em cada 4
refeições consumidas no país. Por lei, as diretrizes precisam ser
revisadas a cada 5 anos de acordo com "a preponderância do conhecimento
médico e científico" sobre a nutrição da época. Vilsack e Burwell tem o
trabalho não-invejável de determinar o que constitui "conhecimento" em
um campo que há muito está atolado em ambiguidade.
A imensidão do desafio tornou-se ainda mais aparente no fim do mês
passado, quando Nina Teicholz, escrevendo para o BMJ (Jornal Britânico
de Medicina), publicou uma análise causticante do relatório científico que
servede base para as diretrizes 2015. O relatório, que foi preparado
pelo Comitê Conselheiro das Diretrizes Dietéticas (DGaC), um painel de
experts em nutrição, recomenda montes de laticínios com pouca ou nenhuma
gordura, frutas, vegetais, grãos integrais, frutos do mar, leguminosas e
castanhas, e um mínimo de carnes vermelhas e processadas, grãos
processados e comidas e bebidas açucaradas. Mas, de acordo com Teicholz,
o DGAC falhou em considerar
adequadamente duas descobertas recentes na ciência da nutrição:
primeiro, que comer uma dieta low-carb pode ajudar a controlar certas
condições de saúde, notavelmente diabetes tipo 2 e obesidade, e segundo,
que gorduras saturadas podem não ser tão catastroficamente insalubres
como se supunha anteriormente.
Na última quarta-feira, Vilsack e
Burwell sentaram-se para defender o relatório do DGAC em uma audiência
do Comitê de Agricultura da Câmara. Eles ofereceram poucas respostas
satisfatórias. Os membros do comitê citaram várias das críticas de Teicholz,
às quais Vilsack respondeu que o relatório só poderia refletir uma
preponderância da evidência. "Eu gostaria que houvesse fatos
científicos", ele disse. Ele
também afirmou que informação sobre os benefícios de dietas low-carb não
era relevante para as diretrizes, porque elas são apropriadas para
prevenir doenças crônicas e não para tratá-las. Como Vilsack determinou
isso não está exatamente claro. O projeto do DGAC não
distingue entre prevenção e tratamento, e nem necessariamente faz
sentido traçar uma linha entre ambos. Conforme David Ludwig, um
pesquisador da obesidade no Hospital Infantil de Boston e autor do livro
"Always hungry ?" (N.T.: "Sempre faminto?"), me disse em um email:
"Diabetes tipo 2 representa o fim de uma longa progressão, começando com
sobrepeso e levando a doença metabólica severa. Riscos de saúde
aumentam continuamente ao longo desse espectro".
Mesmo se Vilsack estivesse
tecnicamente certo, e que as diretrizes pretendessem apenas evitar
doenças, ele estaria deixando outra questão sem resposta: por que fazer recomendações que são irrelevantes para a maioria de seus co-cidadãos? Por
mais deprimente que possa ser, os EUA em 2015 não têm mais o luxo do
aconselhamento dietético voltado apenas aos metabolicamente saudáveis. Mais de 2/3 dos adultos nesse país têm sobrepeso ou são obesos, bem como cerca de 1/3 das crianças e adolescentes. E mais, estima-se que aproximadamente metade de todos os adultos — e um número rapidamente crescente de adolescentes — tenham diabetes tipo 2 ou pré-diabetes.
(As percentagens de obesos e diabéticos são ainda mais altas entre
americanos de baixa-renda, exatamente as pessoas que dependem dos
programas assistenciais de alimentação). Durante a audiência, Burwell
pediu a seus interlocutores para imaginarem como os EUA poderiam parecer
hoje se nenhuma diretriz jamais tivesse sido instituída. "Nós estamos na trajetória errada, mas a trajetória poderia ter sido pior ?" ela perguntou. É difícil imaginar, entretanto, o que "pior" poderia significar.
A falha aparente de Vilsack em
perceber esse ponto realça a desconexão histórica entre as diretrizes e a
realidade das mazelas dietéticas da América. Para crédito do
DGAC, o relatório de 2015 inclui diversas emendas a edições prévias.
Apesar de desencorajar o consumo de gorduras saturadas e trans, ele não
coloca limites sobre o consumo total de gorduras, e sugere que as
diretrizes revisadas descartem os alertas sobre o colesterol na
alimentação, uma vez que ele tem pouco impacto nos níveis de colesterol
sanguíneos. E ainda assim a conclusão maior — de que os americanos
deveriam comer uma dieta forte em grãos e pobre em gordura saturada — é
praticamente o mesmo conselho que vem sendo dado a cada 5 anos desde que
as diretrizes foram introduzidas, em 1980. Naquela época, menos de 15%
dos americanos eram obesos, e diabetes tipo 2 em crianças era
extremamente raro. Hoje, um corpo de pesquisa crescente sugere
que aqueles que são pré-diabéticos ou diabéticos podem se sair melhor
em uma dieta que é mais rica em gorduras totais e mais pobre em grãos.
É possível, é claro, que o governo esteja provendo aconselhamento sólido
por décadas e que ele não tenha funcionado simplesmente porque as
pessoas falharam em prestar atenção. Defensores do status quo apontam
para o fato de que, quando os americanos foram chamados a evitar a
gordura, ninguém lhes disse para trocá-las por grãos refinados e açúcar.
Mas a nutrição sempre envolve
trocas. Se você esforça-se para consumir menos leite integral e carne
vermelha, como os americanos de fato fizeram, é quase inevitável que
você substitua algumas das calorias vindas da gordura saturada por
calorias vindas dos carboidratos. E pode tornar-se consideravelmente mais difícil resistir aos grãos refinados e açúcares. "Um
garoto que uma geração atrás tomaria um copo de leite integral e dois
biscoitos, hoje tomaria um copo de leite desnatado e três ou quatro
biscoitos", Ludwig me disse. "Essa é uma troca ruim".
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