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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"Vemos muita religião relacionada à comida",

Entrevista

"Vemos muita religião relacionada à comida", diz pesquisador americano

Alan Levinovitz é autor do livro A Mentira do Glúten e discute como a narrativa religiosa está presente na alimentação

Por: Jaqueline Sordi
31/10/2015 - 05h41min
"Vemos muita religião relacionada à comida", diz pesquisador americano Carime Voltz/Divulgação
Foto: Carime Voltz / Divulgação
Milhões de pessoas em todo o mundo estão abrindo mão do glúten. Mas, por que mesmo? Foi a partir desse questionamento que o professor de religião e filosofia Alan Levinovitz, da Universidade James Madison, nos Estados Unidos, realizou uma pesquisa sobre os hábitos alimentares da sociedade contemporânea, buscando compreender a origem de modismos e dietas radicais. Os resultados, contemplados no livro A Mentira do Glúten — E Outros Mitos Sobre o que Você Come, lançado recentemente no Brasil, apontam para uma tendência cada vez maior de introduzir as narrativas religiosas na cultura alimentar ocidental.
Em passagem por Porto Alegre, Levinovitz conversou com o caderno Vida.
Você é um estudioso de filosofia e de religião. Como chegou ao universo do comportamento alimentar?Dentro do que estudo, identifiquei muitos padrões de comportamento semelhantes ao que vemos hoje nas dietas da moda. Existem livros de 2 mil anos atrás falando que, se você deixasse de comer grãos, arroz e outros alimentos que existiam naquele período, você viveria para sempre e evitaria doenças. Também há obras da mesma época que alegavam que o problema não eram os grãos, mas as carnes. Isso parece muito com as ideias modernas sobre dietas, nas quais pessoas competem para ter autoridade sobre o assunto e fazem promessas milagrosas.

A relação das pessoas com a comida pode ser explicada por padrões religiosos de pensamento? Hoje vemos muita religião relacionada à comida, e isso começa no próprio uso da linguagem. Pessoas falam de prazer, culpa e pecado para se referir à comida. Além disso, na alimentação, estamos sempre buscando quem são os novos "demônios", sejam eles o açúcar, o ovo ou o carboidrato. Não nos damos conta de que são poucos os verdadeiros demônios, como o cigarro, por exemplo. Ao entendermos esse nosso desejo de enxergar as coisas assim, de forma simplista, compreendemos um pouco mais sobre os problemas que enfrentamos hoje. Viver com esse medo de ser impuro gera estresse e doenças.
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No livro, você analisa o radicalismo em relação à comida principalmente nos Estados Unidos. Como você vê os hábitos alimentares no Brasil?Nos Estados Unidos, há muito mais paranoia. Lá, é muito difícil, por exemplo, fazer um jantar para amigos. Quase todo mundo tem alguma restrição. Praticamente todos os menus oferecem opções sem glúten. Especialistas já chegaram a concordar que há um exagero nisso, afirmando que as preferências alimentares estão se tornando tão idiossincráticas que o hábito milenar e cultural da comida, de reunir as pessoas, está ficando comprometido.

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Você compara muito as celebridades atuais com os santos religiosos. Como enxerga essa relação?Sempre buscamos nos espelhar em autoridades, exemplos. Antigamente, buscávamos ser tão bons quanto os santos e, para isso, tínhamos de fazer o bem. Hoje, todo mundo quer se parecer com a Gisele Bündchen, não é? Então, as pessoas vão seguir as coisas que ela faz e diz, na esperança de ficar como ela. Quando uma celebridade diz que parou de comer glúten, muitas pessoas vão parar de comer. Se não fizer isso, você está cometendo um pecado contra si. Não podemos deixar as narrativas religiosas sobre o bem e o mal nos guiarem nesse aspecto. Temos de nos dar conta de que estamos sujeitos a uma indústria alimentícia, que vai querer nos vender ideias e vai usar a imagem de celebridades para isso. Até mesmo os orgânicos são uma indústria, e têm interesses por trás.

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Qual é o caminho para uma vida saudável?Meu objetivo com esse livro é libertar as pessoas do pensamento de que, se elas não comprarem as coisas certas no supermercado, estarão matando seus filhos e se matando. Meu conselho é pensar em se alimentar na quarta dimensão. Hoje, existem três dimensões da comida: quantidade, com todos aqueles critérios de excessos; qualidade, com pessoas nos dizendo o que é bom e o que é ruim; e composição, que é a proteína, o carboidrato, a gordura e tudo aquilo que está nos rótulos. Mas existe uma quarta dimensão, que é o tempo. Se as pessoas querem dar um passo em direção a um estilo de vida saudável, elas têm de esquecer um pouco essas três primeiras dimensões e se focar mais no momento em que estão comendo, se estão aproveitando, se estão separando espaços do dia para preparar e desfrutar de sua comida. Dessa forma, acredito que irão não só comer menos, mas também aproveitar mais a comida. Meu recado é para as pessoas relaxarem. Se existe um consenso, é de que o estresse pode matar.

Detalhe ZH: nem sempre abrir mão do glúten é uma questão de escolha. As pessoas que sofrem com a chamada doença celíaca são intolerantes a essa substância e sofrem graves indisposições se a consumirem.

Que dizer então? Trata-se de autor extremamente culto, cético e aberto a uma franca e pública troca de ideias como se pode ver. E digo mais. Muitas, mas muitas MESMO de suas críticas à moda do glúten-free são corretas. Mas, se ele lesse português, veria que NESTE blog, as coisas hipotéticas são sempre tratadas como hipotéticas.

Quem ainda não leu, deve voltar agora e ler a minha postagem sobre o assunto onde deixo BEM claro que o nível de evidência científica ainda é baixo neste quesito (clique AQUI):

"Por que nunca escrevi diretamente sobre o assunto? Porque o grau de evidência é baixo. Muito baixo. O mais baixo de todos: relatos de casos. E o problema com os relatos de caso é que você encontra relatos de casos de sucesso com QUALQUER coisa. Doenças entram em remissão por conta própria - até mesmo câncer avançado - de vez em quando. E as pessoas atribuem este fenômeno natural à seja-lá-o-que-for que estivesse sendo feito no momento - babosa com mel, cirurgias espirituais, orações, etc. Ou seja, dizer que melhorou da artrite com dieta páleo pode ser tão científico quanto dizer que brigou no trânsito porque marte estava em capricórnio. E esse não é o nível de evidência que embasa o restante das postagens desse blog.
Assim, vou introduzir o assunto dieta paleolítica e autoimunidade com um alerta: ao contrário do que acontece com a maior parte das demais postagens do blog, esta postagem sugere possíveis benefícios não comprovados cientificamente, baseados em relatos de caso. Dito isso, há grande PLAUSIBILIDADE na hipótese que dá sustentação a essa ideia, como veremos a seguir.
Plausibilidade diz respeito ao fato de que há mecanismos biológicos e físicos que tornam uma teoria viável e até provável. Os mecanismos biológicos através dos quais a modulação da permeabilidade intestinal pela dieta pode influenciar a produção de autoanticorpos e a inflamação crônica sistêmica são bem estabelecidos, especialmente em modelos animais. Assim, o emprego de uma dieta de estilo paleolítico na tentativa de aliviar patologias autoimunes pode até não ser uma intervenção completamente comprovada (faltam ainda os ensaios clínicos randomizados), mas é uma intervenção cientificamente PLAUSÍVEL, para a qual há ampla sustentação de evidências anedóticas. E o risco? Zero - é apenas comida de verdade"
Ou seja, ao menos aqui, neste blog, os benefícios da restrição do glúten são tratados como HIPÓTESE. O que Levinovitz critica é a falsa certeza e o fervor religioso com que certas vertentes "páleo" tratam o assunto. E, nesse ponto, eu concordo com ele.

Quem quiser uma palhinha sobre o livro, pode ver os trechos que eu compartilhei a partir do Kindle no GoodReads.com.

Concordo com tudo que o autor escreve? Não. Mas recomendo a leitura. Isso aqui não é religião, e ler opiniões INTELIGENTES de pessoas que pensam diferente é sempre um exercício estimulante.

Dito isso, é ÓBVIO que o grupo que se sente incomodado com o avanço da dieta paleolítica na literatura peer reviewed fará festa com a publicação deste livro. Mas há um porém: muitos não terão ainda lido o livro. Pois, quando lerem, descobrirão que o autor bate forte, com seu olhar cético, não apenas sobre a ideia de que o glúten seria ruim para toda a humanidade, mas também:

  • Critica a ideia de que a gordura na dieta faça mal
  • Critica a ideia de que o sal tenha quer ser restrito
O que ele critica, no fundo, são os MITOS construídos com fraca base em ciência. Bem verdade que ele se perde completamente quando aborda o assunto açúcar - ninguém é perfeito.

***

Não sei se haverá grande publicidade sobre o lançamento do livro. Se houver, surgirão matérias e entrevistas na grande mídia, e vocês, seguidores do blog, receberão incontáveis emails de seus amigos (?) com mais esta evidência de que vocês estão apenas seguindo mais uma moda. Se isso acontecer, obriguem este amigo a comprar e ler o livro - e depois perguntem a este amigo se ele ainda acha que a gordura na dieta é o principal problema, e se ele ainda acha que o sódio deve ser restrito a menos de 2,3g por dia. O livro, no fundo, é tão crítico das diretrizes vigentes quanto este blog. Mas isso só descobre quem efetivamente o livro, ao invés de ficar mandando manchetes de notícias da imprensa.

***

Há 3 dias saiu uma notícia sobre mais um estudo que corrobora o link entre glúten, permeabilidade intestinal e inflamação/autoimunidade. Não, não é um ensaio clínico randomizado. Não, não temos ainda evidência clínica de alta qualidade. Mas as evidências estão-se acumulando para ajudar a compreender a quantidade crescente de casos anedóticos de melhora.

PUBLIC RELEASE: 

Research finds new link between zonulin and 2 common inflammatory bowel conditions

SPINK HEALTH
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IMAGE: GIOVANNI BARBARA IS FROM THE UNIVERSITY OF BOLOGNA. view more 
CREDIT: UEG
Barcelona -- The intriguing story of the recently-discovered protein, zonulin, advances a chapter today as Italian scientists announce the results of their latest research linking zonulin with two common inflammatory bowel conditions. The researchers have discovered that people with non-coeliac gluten sensitivity (NCGS) and irritable bowel syndrome (IBS) have higher than normal blood levels of zonulin, suggesting an important role for the protein in the development of these conditions.
Speaking at the 23rd United European Gastroenterology Week (UEG Week 2015) in Barcelona, Spain, Professor Giovanni Barbara from the University of Bologna said the results may lead to new treatment strategies for these conditions. "We were intrigued to find that blood levels of zonulin were almost as high in patients with NCGS as in those with coeliac disease," he said.
Zonulin in autoimmune disease
Zonulin is a type of protein (a haptoglobin) that was discovered in 2000 by a team of researchers at Maryland School of Medicine in the USA. The protein is found within intestinal cells and it is the only human protein discovered so far that regulates the permeability of the intestine. Zonulin has been called a "tight junction regulator", as it controls the size of the gaps between the intestinal cells and orchestrates the passage of nutrients, water and cells into and out of the gut.
Scientists have found that zonulin is produced and released by triggers including intestinal bacterial infections and gluten, and a link between zonulin and coeliac disease has already been established. In the presence of zonulin, the normally tight junctions between the intestinal cells remain open, creating bowel "leakiness" and initiating an inflammatory cascade that eventually damages the intestinal wall.
"Increased intestinal permeability has been implicated in a range of autoimmune conditions including coeliac disease, type 1 diabetes, rheumatoid arthritis and multiple sclerosis," explained Prof. Barbara. "Since zonulin is a key regulator of intestinal permeability, it is possible that this protein provides a common link between all these conditions."
Zonulin in NCGS and IBS
In the latest study, the team from Bologna recruited patients with NCGS (n=27), diarrhoea-predominant IBS (IBS-D) (n=15), coeliac disease (n=15) and healthy volunteers (n=15) and they measured their blood levels of zonulin. The highest zonulin levels were found in the patients with coeliac disease (mean 0.033 ng/mg), followed by those with NCGS (mean 0.030 ng/mg) and IBS-D (mean 0.012 ng/mg). The mean level in the healthy volunteers was only 0.007 ng/mg. In the patients with NCGS, blood levels of zonulin fell significantly when they were eating a gluten-free diet.
"This study has increased our understanding of zonulin and how it might contribute to the development of these common and disabling bowel conditions," said Prof. Barbara. "Hopefully, our work will lead to new diagnostic and therapeutic strategies for patients with these and possibly other autoimmune conditions."
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References
1. Barbaro MR, et al. The role of zonulin in non-celiac gluten sensitivity and irritable bowel syndrome. Abstract presented at the 23rd United European Gastroenterology Week (UEG Week 2015), Oct. 24-27 2015, Barcelona, Spain. 2. Fasano A. Ann NY Acad Sci 2012;1258:25-33.

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