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terça-feira, 27 de setembro de 2016

Porque o trigo se tornou um alimento tão inflamatório?

Porque o trigo se tornou um alimento tão inflamatório?

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Nos últimos 15 anos, diversas bases científicas tentam elucidar os aspectos que levaram o cereal a ser um dos maiores fatores colaborativos para uma reação inflamatória em cadeia na população, e causadora de diversas patologias, em maior ou menor intensidade, incluindo a obesidade, rinite, alterações gastrointestinais, depressão e doenças autoimunes1-6.
Um dos argumentos é que o trigo não é mais igual ao que se comia há 10.000 anos, durante o período neolítico. As variedades iniciais, a einkorn e emmer, sofreram diversos cruzamentos genéticos ao longo dos anos, gerando a espécie mais cultivada atualmente, a Triticum aestivum, que possui mais de 25.000 variedades3,5,6. Seu genoma, ou seja, o conjunto de informações genéticas que comandam a construção da planta e caracterizam a espécie, tem uma peculiaridade especial: nas suas células, coexistem os genomas de três espécies primitivas diferentes, resultantes de diversas hibridações naturais, o que confere a ela uma carga de quase 100 mil genes (humanos possuem cerca de 30 mil genes)7,8!
Mas a técnica conhecida comomelhoramento genético é capaz de cruzar esses diferentes genes em um “novo” trigo, selecionando as melhores características de cada variedade – ou produzindo um novo grão com proteínas tão diversificadas que não sabemos direito como atuará em nosso organismo7,8. Um exemplo simples de como o trigo está diferente dos nossos antepassados é pelo seu tamanho: antigamente os trigais poderiam chegar até 1,20 metro, hoje não passam de 60 cm. Essa é uma característica que facilita a colheita por máquinas. Outro exemplo são as sementes dos trigos mais antigos que permaneciam bem grudadas à haste, deixando o grão mais “cascudo”. Manipulações nos genes Q e Tg (gluma tenaz) modificaram a característica “colada” para deixar a semente mais solta e facilitar a colheita e a debulha1,5.
Além disso, os parentes selvagens do trigo não eram capazes de se reproduzir com tanta eficácia como o trigo moderno1,5,8. Hoje a produção do cereal chega a incríveis recordes: previsão de 705 milhões de toneladas de trigo colhido no mundo para 2014/2015, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)2. Para termos uma ideia, em 2013, duas instituições brasileiras da área da agricultura anunciaram parceria para o programa de mellhoramento de trigo no Rio Grande do Sul, no qual estão em andamento 120 cruzamentos para o trigo utilizado para o pão e outros 30 cruzamentos para o trigo de duplo propósito (pastejo e grãos)9.
Esse é um projeto consideravelmente pequeno em termos do que se faz em outros projetos de manipulação genética. O aumento da quantidade de glúten foi uma das grandes modificações ocorridas no trigo, vide as variedades que temos de massas “boas” ou “ruins”, dependendo para o que serão utilizadas7,8. Para os agricultores, características como resistências à determinadas condições ambientais, como a seca, ou a organismos patogênicos, como os fungos, são fantásticas e prometem rendimentos financeiros e quantitativos em larga escala. Entretanto, para a área da saúde, essa pode ser a “chave” para entender a epidemia de alterações fisiológicas que está ocorrendo nos últimos anos6.
Estas mudanças fizeram com que o trigo de hoje possua um teor de glúten muito maior do que os cultivares que ainda é possível encontrar em lugares longínquos da Europa. Os métodos de colheita também afetam a quantidade de glúten nos grãos de trigo1,5. Além de modificações genéticas, seu processo de plantio e colheita também mudou muito nos últimos anos. Antigamente o trigo era colhido a mão, enrolado em fardos no campo e levado até os silos. Somente depois de algum tempo era transportado para ser debulhado, ensacado e transformado em farinha.
Esse processo mais lento permitia certo grau de germinação no trigo, durante o qual é utilizado seu estoque proteico: o glúten, reduzindo assim de forma natural sua quantidade. Na agricultura moderna essas etapas foram suprimidas e o trigo é rapidamente colhido, debulhado e ensacado, e enviado para moagem. Não há, portanto, o procedimento natural de germinação, interrompendo a degradação natural que seria feita com o glúten.
TRIGO NO CAFÉ DA MANHÃ, ALMOÇO E… JANTAR!
Outro argumento dado à causa das doenças modernas, além da modificação dos genes, é que nunca se comeu tanto trigo. Nos supermercados, prateleiras e prateleiras apresentam as mais variedades de produtos feitos com trigo: massas, pães brancos, pães integrais, pães fermentados, pão árabe, croissants, esfihas, congelados de lasanha e empanados, croutuns para saladas, biscoitos cracker, cereais matinais, tortas, biscoitos light, podendo encontrar componentes do trigo até mesmo em sorvetes e cosméticos1.
As ofertas são inúmeras e cada uma é condicionada a fazer parte de pelo menos uma refeição no dia. O que se observa é um excesso de exposição do corpo a uma única proteína….o glúten. A partir da década de 70, houve um aumento no consumo de carboidratos, principalmente do trigo, incentivados pelos cientistas e instituições de saúde de muitos países, em detrimento do consumo de gorduras que foram consideradas por décadas a causa das doenças cardiovasculares e da obesidade no mundo10. A pirâmide alimentar foi construída a partir dos carboidratos, pois à época eram os alimentos mais indicados para o consumo, preferencialmente os grãos integrais.
No entanto, nunca na história da humanidade as pessoas foram tão obesas e apresentaram tão frequentemente problemas cardiovasculares como resistência à insulina, diabetes e hipertensão arterial10. Estudos recentes e pesquisadores renomados afirmam: o trigo contribui mais que qualquer outro grão para a resistência à insulina11, condição precursora do diabetes, e síndrome metabólica12. Isso significa que 100 gramas de trigo são piores para o corpo que 100 gramas de outra farinha semelhante. O índice glicêmico do pão, seja ele integral ou não, varia de 65 a 80, enquanto que da sacarose e da glicose são, respectivamente, 65 e 10013.
Mas os efeitos colaterais do seu consumo se estendem também a outras patologias: depressão, esquizofrenia, demência, neuropatia, enxaquecas, autismo14, dores articulares, alergias alimentares, dermatites, sintomas gastrointestinais, osteoporose, Síndrome do Intestino Irritável, anemia, câncer, fadiga, aftas, artrite reumatoide, esclerose múltipla, e outras15. Reconhece os sintomas em você ou em alguém que você conhece que consome trigo?
Fontes:
1Davis W. Barriga de Trigo. São Paulo. Editora Martins Fontes , 2013. 2USDA: United States Department of Agriculture. World Agricultural Supply and Demand Estimates. July 11, 2014. 3Ji S, Hoggan R. The Dark Side of Wheat: A Critical Appraisal of the Role of Wheat in Human Disease. 4Sapone A, Bai JC, Ciacci C, Dolinsek J, Green PH, Hadjivassiliou M, Kaukinen K,Rostami K, Sanders DS, Schumann M, Ullrich R, Villalta D, Volta U, Catassi C,Fasano A: Spectrum of gluten disorders: consensus on new nomenclature and classification. BMC Med 2012, 10:13. 5Perlmutter, D. A Dieta da Mente: A Surpreendente Verdade sobre o Gluten e os Carboidratos – Os Assassinos Silenciosos do seu Cérebro. 1ª edição – São Paulo : Paralela, 2014. 6de Lorgeril M, Salen P. Gluten and wheat intolerance today: are modern wheat strains involved? Int J Food Sci Nutr. 2014 Aug;65(5):577-81. 7Bered F, Carvalho F, Neto JF. Variabilidade Genética em Trigo. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. 8Variabilidade e diversidade genética vegetal: requisito fundamental em um programa de melhoramento. Embrapa. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.Dezembro, 2002. 9Disponível em: https://www.embrapa.br/trigo/busca-de-noticias/-/noticia/1497044/rs-fepagro-e-embrapa-ampliam-parceria-no-estado. Acesso em 20/07/2014. 10Malhotra, A. Saturated fat is not the major issue. BMJ 2013; 347. 11Abid N, McGlone O, Cardwell C, McCallion W, Carson D. Clinical and metabolic effects of gluten free diet in children with type 1 diabetes and coeliac disease. Pediatr Diabetes. 2011 Jun;12(4 Pt 1):322-5. 12Petersen KF, Shulman GI. Etiology of insulin resistance. Am J Med. 2006 May;119(5 Suppl 1): S10-6. 13Foster-Powell K, Holt SHA, Brand-Miller JC. International table of glycemic index and glycemic load values: 2002. Am J Clin Nutr 2002;76:5–56. 14Margutti P, Delunardo F, Ortona E. Autoantibodies associated with psychiatric disorders. Curr Neurovasc Res. 2006 May;3(2):149-57. Review. 15Farrell RJ, Kelly CP. Celiac sprue. N Engl J Med. 2002 Jan 17;346(3):180-8. Review.

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