quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Cancer e metabolismo - peripécias sob o rótulo de ciência






Esse artigo foi recentemente publicado pelo médico pesquisador dr. Jason Fung. Ele traz a tona resultados absolutamente inesperados de pesquisas sobre o câncer. Desde como foi desprezados pesquisas que informavam o contrário do que se esperava até a chocante informação de que fibras alimentares e suplementos vitamínicos além de não auxiliarem, podem efetivamente piorar o curso dessa doença. Texto brilhante como habitualmente é o trabalho do dr. Fung. Lipidofobia tem o prazer de compartilhar essa informação como um regalo de fim de ano para nossos leitores! 

CÂNCER COMO QUADRO METABÓLICO 
AS QUESTÕES DIETÉTICAS: 
ENTRE A CIÊNCIA, O ERRO E A TEIMOSIA

Artigo de Jason Fung



Como ficou claro que as influências ambientais afetam as taxas de câncer, o principal suspeito recaiu na dieta. A questão natural, portanto, era qual a parte específica da dieta seria a responsável? O suspeito imediato foi a gordura alimentar. Desde o final da década de 1970 até a década de 1990, fomos pressionados por uma histérica fobia à gordura. Pensamos que comer gordura causasse tudo de ruim. Ela causou obesidade. Ela causou colesterol alto. Ela causou doenças cardíacas. Provavelmente causou mau hálito, perda de cabelo e os acidentes desagradáveis, também. Não havia nenhuma prova real contra a gordura dietética, que os humanos sempre têm comido, bem, desde que nós nos tornamos humanos, de que isso era realmente verdade. Mas realmente não importava, porque todo o mundo científico era visto através dos limites da lente dietética: gordura-é-ruim. Quem precisa de prova se você tem dogma? 
Como todas as coisas ruins foram causadas pela gordura alimentar, então provavelmente causaria câncer também. Ninguém realmente teve alguma ideia de porque a gordura dietética deveria causar câncer. Ninguém realmente observou que as pessoas que estivessem comendo muita gordura ficariam com mais câncer. Mas não importava. Culpe a gordura por tudo - eis o nome do jogo. Então jogue!
Com base nesse boato, o Instituto Nacional de Saúde afundou milhões de dólares em uma enorme pesquisa para provar que a gordura dietética causaria ganho de peso, ataques cardíacos e câncer de mama também. Esta foi a Iniciativa de Saúde da Mulher (WHI) que matriculou cerca de 50.000 mulheres em um ensaio controlado randomizado massivo - o padrão-ouro da medicina baseada em evidências. Algumas mulheres foram instruídas a seguir sua dieta habitual, e o outro grupo reduziria sua gordura dietética para 20% das calorias e aumentaria os cereais e vegetais / frutas.
Durante os próximos 8,1 anos, essas mulheres reduziram fielmente sua gordura dietética e sua ingestão calórica global com a fervorosa crença de que reduziria o peso, as doenças cardíacas e o câncer. Sua fé em seus médicos e pesquisadores foi justificada? Ah, bem, a resposta é não, não e não. como publicado em 2007, não houve reduções na doença cardíaca. Seu peso permaneceu inalterado. E suas taxas de câncer de mama - bem, isso também não ficou melhor. Foi uma derrota acachapante. Se a redução da gordura na dieta não reduziu as taxas de câncer de mama, então havia uma boa chance, também, de que a gordura na dieta não causasse câncer de mama.
Reduzir a ingestão de gordura e calorias na dieta não resultou em benefícios mensuráveis. Isso aí, o único ensaio controlado randomizado de grande escala com uma dieta com baixo teor de gordura já feito, foi um desastre completo. Os benefícios de uma dieta de baixo teor de gordura, se existir algum, são tão minúsculos que são indetectáveis. Isso contradizia diretamente as crenças prevalentes de toda a comunidade científica. Poderíamos então seguir dois caminhos:
1.      Acreditar na ciência, esse conhecimento adquirido caro e árduo de que a restrição da gordura na dieta não teve benefícios;
2.     Ignorar os resultados, porque não ficou em concordância com nossas noções preconcebidas. 



O vencedor foi a # 2. Era muito mais fácil continuar fazendo o que fazíamos, mesmo que fosse totalmente ineficaz. As pessoas ficariam mais doentes, mas tudo bem, pelo menos não precisamos reaprender a ciência nutricional. Basta enterrar nossas cabeças na areia e chamar este enorme e importante estudo de Fake News.

Então, o próximo pensamento foi que talvez o câncer tenha sido causado pela falta de nutrientes em vez de excesso de nutrientes. Aqui, o olhar pousou sobre a fibra alimentar. O lendário cirurgião irlandês Denis Burkitt passou a maior parte de sua carreira na África, onde percebeu que todas as "doenças da civilização" estavam visivelmente ausentes nas populações nativas africanas. Isso incluiu câncer, que era raro em africanos comendo uma dieta tradicional. Os africanos comiam muitas e muitas fibras alimentares, então ele concluiu que uma taxa elevada de fibra dietética poderia prevenir o câncer. Seguindo essa linha de raciocínio, ele escreveu um best-seller internacional "Não esqueça a fibra na sua dieta". (‘Don’t forget fiber in your diet’.)
Era uma hipótese bastante coerente, mas não existiam evidências na época para dizer se isso era realmente verdade. Então, mais uma vez, milhões de dólares de pesquisa em saúde foram mobilizados para encontrar uma resposta. Poderíamos ao comer mais fibras prevenir os adenomas do câncer de cólon (uma forma pré-maligna)? Em 1999, uma análise com mais de 16.000 mulheres no Estudo de Saúde da Enfermeira (Nurse’s Health Study) em 16 anos não mostrou correlação entre a quantidade de fibra que comiam e o risco de adenomas.
No ano que vem, a prova definitiva de sua futilidade foi publicada no prestigiado New England Journal of Medicine. Uma pesquisa com 1303 pacientes atribuiu aleatoriamente pacientes ao uso ou não de suplementos de fibras de cereais, e depois mediu quantas pessoas desenvolveram adenomas.
Infelizmente, esse número acabou por ser exatamente o mesmo, estando eles consumindo fibra extra ou não. Sim, a fibra pode deixar seus movimentos intestinais melhores, mas não, eles não impediram o câncer. Dãnn!
Então, e as vitaminas? As pessoas adoram tomar suplementos vitamínicos com a crença de que com nossa moderna dieta processada está faltando algum nutriente essencial, o que nos deixa doentes. O ácido fólico é uma vitamina B que é necessária para o crescimento de muitas células. A suplementação com ácido fólico reduziu significativamente a incidência de defeitos do tubo neural. Talvez também reduza as taxas de câncer.
No início dos anos 2000, houve uma enorme onda de entusiasmo pelos suplementos de vitaminas B. Os níveis de homocisteína no sangue foram correlacionados com muitas doenças, e verifica-se que as doses elevadas de vitaminas B podem reduzir os níveis de homocisteína. Infelizmente, como aprendemos mais tarde, isso não teria efeitos benéficos, pois a homocisteína era apenas um marcador de doença e não causal. 

Os suplementos de ácido fólico reduzem o câncer de cólon?
Um  estudo controlado randomizado  de suplemento de ácido fólico a pacientes de alto risco apresentou uma resposta chocante. Desastrosamente ruim, na realidade. Não houve qualquer efeito protetor ao se tomar suplementos de ácido fólico. Além disso, pareceu aumentar o risco de câncer avançado, e também aumentou a taxa de adenomas. QM! Aqui os pesquisadores estavam tentando prevenir o câncer e, em vez disso, eles deram aos pacientes mais câncer. E o pior ainda estava por vir.
Em 2009, o teste NORVIT  com altas doses de ácido fólico e suplementação de Vitamina B também mostrou MAIS , não menos, câncer. Houve um aumento de 21% no câncer e um aumento de 38% na morte por câncer. Duplo QM! É claro que, em retrospectiva, isso é totalmente razoável. As células cancerosas se reproduzem a taxas prodigiosas. Isso exige todos os tipos de fatores de crescimento e de nutrientes para se alimentarem. Com muitos nutrientes, as células de um câncer, em rápido crescimento podem se aproveitar. É como polvilhar fertilizantes em um campo vazio. Você quer grama, mas as ervas daninhas (sendo as plantas com um crescimento mais rápido) são aquelas que absorvem os nutrientes e crescem bastante bem obrigado, como... ervas daninhas. As células cancerosas são altamente ativas e crescem bem, como... ervas daninhas.
E quanto ao betacaroteno e vitamina E? Este nutriente dá às cenouras a cor laranja e talvez este suplemento funcione para reduzir o câncer por causa de seus efeitos antioxidantes. A vitamina E estava todo o vapor na década de 1990 por esta mesma razão, e a suplementação com altas doses deveria curar o câncer. Estudos epidemiológicos (estudos de observação - um dos estudos mais perigosos e propensos a erros em medicina) mostraram que dietas ricas nesses alimentos estavam associadas a uma melhor saúde. Talvez a suplementação ajude.
Infelizmente, não ocorreu exatamente como se esperava. Um estudo randomizado em 1994 mostrou que nenhum agente conseguiu diminuir as taxas de câncer ou a de morte. O betacaroteno não só não impediu o câncer, aumentou as taxas de câncer e a morte. Dar para as células cancerosas as vitaminas necessárias para níveis elevados de crescimento acabou por ser uma ideia não muito esperta. Nós não estávamos salvando pacientes, nós os estávamos matando! Triplo QM!
Isso decorre do simples fato de que o câncer não é uma doença de deficiência de nutrientes como o escorbuto. O escorbuto é uma doença de deficiência de vitamina C, de modo que a vitamina C o cura. O câncer não é uma doença causada por deficiência de vitamina, portanto, o complemento de vitaminas não é especialmente útil.
Então, aqui está o que nos resta.
1.      A dieta desempenha um papel importante no câncer
2.     O câncer não é causado por muita gordura dietética
3.     O câncer não é causado pela falta de fibra dietética
4.     O câncer não é causado por deficiência de vitamina
5.     O câncer está intimamente relacionado com a obesidade

Embora possa parecer trivial, esses 5 tópicos de conhecimento levaram, literalmente, centenas de milhões de dólares em dinheiro de pesquisa, espalhados por mais de 25 anos para serem descobertos. Porém o 5º ponto só ganhou reconhecimento nos últimos anos.
Recentemente, o CDC divulgou um relatório " Tendências da Incidência de Câncer Associado ao Sobrepeso e à Obesidade - Estados Unidos, 2005-2014 ", destacando o fato de que pelo menos 13 cânceres estão associados, e isso representou surpreendentes 40% de todos os cânceres diagnosticados em 2014. Compreendeu 55% dos cânceres em mulheres e 24% em homens. Pior ainda, a incidência desses cânceres associados à obesidade estava aumentando rapidamente. O ganho de peso para adultos de apenas 5 kg (11 libras) aumentou o risco de câncer de mama em 11%.
O que isso significa é que o câncer não é necessariamente uma carência de uma vitamina específica ou doença de macronutrientes (carboidratos versus proteína versus gordura). De um modo mais amplo, o câncer está relacionado com o metabolismo geral. O câncer é uma doença metabólica em seu âmago. Os dois genes mais comumente mutados em câncer humano, p53 e PTEN (*) são agora reconhecidos como intimamente relacionados aos sinalizadores do metabolismo celular.
Obs.:

Os gráficos  do artigo original foram omitidos nessa tradução.

Sabemos que o ganho de peso tem óbvia relação com taxas elevadas de insulina. Naturalmente podemos inferir que o processo metabólico primordial para o aumento de peso pode ser o mesmo para desenvolvimento do câncer: taxas crescentemente elevadas de insulina. Como a maior parte dos leitores do site lipidofobia já sabem, é o consumo de carboidratos o maior estimulante das taxas de insulina.

(*) Gene PTEN: PTEN é um gene supressor de tumor, que resulta na proteína citoplasmática de mesmo nome, e possui a capacidade de modular a apoptose e o ciclo celular, assim como de inibir a migração celular (sua falta ou falha está amplamente relacionada a tumores malignos)

Artigo original AQUI

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