O índice glicêmico é uma farsa ?
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Jenny Ruhl
Você ouviu um bocado recentemente sobre os benefícios à saúde dos
chamados alimentos "de baixo índice glicêmico". A teoria é que são
comidas que, apesar de serem cheias de carboidratos, são digeridas
lentamente e portanto não elevam a glicemia. Isso, conforme nos contam,
torna as comidas de baixo índice glicêmico ideais para todos,
especialmente para aquelas pessoas com problemas glicêmicos.
A verdade é muito diferente.
O que o índice glicêmico mede
Para compreender o motivo da dieta do índice glicêmico ser furada, você precisa compreender o que é que o índice glicêmico mede.
A maneira como os nutricionistas criam as tabelas de índice glicêmico é
assim: eles dão uma dose medida de um único alimento a um grupo de
pessoas completamente normais. Então testam a sua glicemia 2 horas após a
ingestão, e então chegam a um valor médio que comparam à glicemia do
mesmo grupo após consumir um alimento de referência, usualmente pão
branco ou glicose pura.
Você pode ler sobre a pesquisa que estabeleceu o IG no artigo de autoria
da criadora do conceito (e autora best-seller) Jenny Brand-Miller: Tabela internacional de valores de índice e carga glicêmicos Kaye
Foster-Powell, Susanna HA Holt and Janette C Brand-Miller. American
Journal of Clinical Nutrition, Vol. 76, No. 1, 5-56, 2002.
Como você pode ver por esta pesquisa, a glicose pura – que vai direto
para a corrente sanguínea sem qualquer digestão – tem um IG de 95 +/-
10. Pão branco supostamente tem o mesmo IG, 95. De acordo com a pesquisa
da Dra. Miller, Coca-cola feita com xarope de milho de alta frutose tem
um IG muito mais baixo: 63. Suco de laranja tem IG 43. Uma banana tem
46, e na parte inferior do espectro, feijões são descritos como tendo IG
entre 19 e 25. Enquanto uma rosquinha está listada como tendo IG 72 e
um bolinho de centeio está listado com IG 55, espaguete al dente tem IG
32.
Como você também pode ver no artigo, um enorme problema com as tabelas
de IG é que elas não são reprodutíveis. Teste um grupo de pessoas com o
alimento e vai ter um valor. Teste outro grupo e vai conseguir outro
valor. E isso é apenas o que acontece com as médias. Teste 3 indivíduos e
vai ter 3 valores diferentes. Os autores da teoria realmente se
desdobram para explicar o motivo disso acontecer, porque resultados
não-reprodutíveis usualmente significam morte para uma teoria
científica.
Mas felizmente para eles, os nutricionistas não deixam resultados
não-reprodutíveis impedi-los quando tais resultados parecem confirmar
uma crença forte – não importa o quão pouco científico isso seja.
Especialmente quando eles estiveram desesperados por qualquer coisa que
possa ajudá-los a ignorar o crescente número de estudos provando que
dietas low-carb são não apenas seguras, mas mais efetivas que as dietas
pobres em gorduras e ricas em carboidratos que eles têm promovido pelas
duas últimas gerações.
Então os nutricionistas abraçaram a idéia de que comidas de baixo IG são
saudáveis com entusiasmo, porque isso lhes permite continuar a
prescerver dietas ricas em carboidratos. Tudo o que mudou é que agora
eles prescrevem dietas ricas em carboidratos com baixo IG. E agora
atribuem a estes todas as afirmações já provadas falsas, que costumavam
atribuir à dieta pobre em gordura.
O que falta ao índice glicêmico
Mas para todos aqueles entre nós que se importam com o que se passa em
nossos corpos, um pouco de raciocínio revela qual o problema com a moda
do baixo IG: o índice glicêmico te diz apenas o que essas comidas fazem
com a glicemia de uma pessoa normal 2h após ser ingerida. Ele não te diz
o essas comidas fazem à glicemia 1h após ingeridas, ou – e isso pode
ser muito importante para as massas – 4 horas após ingeridas.
E ainda mais importante, o IG não te diz quanta insulina o corpo teve
que secretar para processar a glicose resultante da digestão deste
alimento quando finalmente foi digerido.
Porque não importa o quão lentamente um alimento rico em carboidrato é
digerido, eventualmente ele é digerido. E quando isso acontece, cada
grama de carboidrato contido vira uma de duas substâncias: glicose ou
frutose.
Se ele se transforma em glicose – e a maioria dos carboidratos se
transforma – ele entra na corrente sanguínea e eleva a glicemia até
encotrar uma molécula de insulina. Essa molécula de insulina pode fazer
uma de duas coisas. Ela pode mover aquela glicose para uma célula
muscular, que trabalha muito e vai usar para gerar energia, ou ela pode
mover a glicose para uma célula adiposa na qual será armazenada para uso
posterior, sob forma de gordura. Na maior parte do tempo, a insulina
faz a segunda coisa.
Se, ao invés, o carboidrato dietário for digerido em frutose, ele não
vai aparecer na corrente sanguínea em momento algum. Ao invés, irá
direto para o fígado onde será convertido diretamente em gordura sem
sequer ter a chance de ser queimado como fonte de energia.
Nenhum desses resultados é boa notícia se você estiver tentando perder peso.
Mas a sua tendência de serem transformados em gordura corporal não é o
único problema com os alimentos ricos em carboidratos com baixo IG. O
maior problema com eles é que enquanto pode ser verdade – para pessoas
normais – que alimentos de digestão mais lenta podem evitar elevar a
glicemia, estes alimentos ainda precisam estimular a produção de
insulina. Não importa o quão lentamente elas sejam digeridas, elas são
digeridas. E quando isso acontece, será necessária insulina para
processar cada grama de carboidrato contido. Então um alimento de baixo
IG que contém um monte de carboidrato, como macarrão, pode te dar uma
glicemia normal mas vai te dar também um nível muito alto de insulina em
circulação – que não é bom para a sua saúde.
E se a sua glicemia não for normal ?
Os problemas que acabamos de mencionar são os encontrados por pessoas
normais comendo alimentos de baixo IG. Pessoas com prediabetes ou
diabetes tem problemas muito mais sérios ao comer esses alimentos de IG
baixo.
Pessoas normais não tem picos de glicemia danosamente altos após comer
comidas ricas em carboidratos porque elas têm um pâncreas saudável que
secreta uma grande quantidade de insulina tão logo elas iniciam a
refeição.
Isso é chamado "liberação de insulina de primeira fase", e é parte do processo normal de controle da glicemia descrito aqui.
Se esse disparo de insulina não resolve o problema, o pâncreas da pessoa
saudável secreta uma segunda fase de insulina, que limpa qualquer
glicose extra da corrente sanguínea. Essa insulina de segunda fase pode
continuar por muitas horas após uma refeição e vai manter a glicemia
baixa – apesar de, como comentado acima, os níveis de insulina ficarem
altos durante todo esse tempo.
Mas pessoas com prediabetes ou diabetes na prática não tem a habilidade
de produzir a liberação de insulina de primeira fase. Muitos tem a
liberação de segunda fase danificada ou ausente. Então se você testa
alguém com glicemia alterada duas horas depois de terem comido um
alimento de IG baixo, pode-se ter uma leitura muito diferente da obtida
no teste da mesma comida em uma pessoa normal.
Comidas que funcionam bem para uma pessoa normal, como aveia integral,
podem causar um pico de insulina tão alto quanto pão branco em uma
pessoa com diabetes. Aquele pão de trigo integral eleva a glicemia o
mesmo tanto que um pão branco, quando dado a uma pessoa com diabetes. É o
que foi documentando num estudo recentemente publicado:
Pães dietéticos: mito ou realidade. Banu Mesci et. al, Diabetes Research and Clinical Practice Volume 81, Issue 1, July 2008, Pages 68-71
A única razão para uma pessoa com diabetes aprender os valores de índice
glicêmico para diversos alimentos é que se ela estiver injetando
insulina, saber o valor do IG pode ajudar a determinar o momento certo
da aplicação – para que o pico dela na corrente sanguínea coincida com o
pico de glicose induzido pelas comidas ingeridas.
Exceto que mesmo isso é mais complicado do que parece, já que existe
mais um problema com a aplicação do índice glicêmico. Os valores do IG
são estabelecidos testando cada comida em isolamento. Mas não comemos
tais alimentos em isolamento, e sim como parte de uma refeição.
E quando você combina alimentos em uma refeição, o seu IG muda
dramaticamente. Qualquer comida rica em carboidratos ingerida juntamente
com gordura será digerida mais lentamente do que se for ingerida
sozinha. Comer um monte de comida de uma vez também vai retardar a
digestão.
Então enquanto o pão branco tem um IG muito alto e pode ser
completamente digerido em 2 horas, uma fatia de pizza (que contém a
mesma quantidade de carboidratos de 3 fatias de pão) pode não ser
digerida completamente após 4 ou 5 horas, devido ao alto conteúdo de
gordura do queijo e do simples volume do alimento.
Na prática, a tabela de IG citada acima dá para uma pizza mais gordurosa
o IG 30 – que é um dos mais baixos na tabela, apesar de que você nunca
vai ouvir nutricionistas dizendo às pessoas para comer uma dieta rica em
"saudável pizza gordurosa" – e você não vai ouvir isso de mim também. A
combinação de todo o carboidrato e gordura é provavelmente a mais
insalubre que você poderia conseguir, e apesar de ela tomar um tempo
considerável para ser digerida, quando é digerida ela pode dar às
pessoas com diabetes alguns dos picos de glicemia mais altos que elas já
viram.
Tudo isso nos deveria fazer repesnsar o quão "saudável" todas essas
comidas com baixo IG realmente são. Se nós realmente queremos comer
comidas que não vão elevar nossa glicemia ou estimular a resposta
insulínica. estaremos melhor comendo proteína, gordura, folhas e legumes
coloridos low-carb, ao invés de qualquer comida rica em carboidratos.
E quando comermos comidas que contenham carboidratos, não importa qual
seja seu IG, devemos considerar a quantidade total de carboidratos, não
apenas a velocidade com a qual eles são digeridos.
Por que ouvimos tanto sobre alimentos de baixo IG ?
Não é coincidência que ao longo dos últimos 5 anos, a até então obscura
teoria do IG, que foi publicada inicialmente em 1981 e completamente
ignorada por 20 anos, subitamente foi colocada em evidência.
Uma grande razão é que a indústria alimentícia reagiu à onda da "loucura
low-carb", que varreu os EUA por volta de 2000, financiando uma
campanha de mídia bem orquestrada para promover essa teoria obscura e
negligenciada. E foi um trabalho muito bem-feito.
Eu baseio essa conclusão pelas manchetes. Recebi de diversas organizações, como uma associação comercial chamada The Whole Grains Council (N.T.: Conselho dos Grãos Integrais), que como você pode ver se seguir esse link
para o belo website desses lobbistas, uma longa lista de tais estudos –
muitos dos quais foram, não tão coincidentemente, financiados pelo
dinheiro dos membros. Estes estudos glorificam a saudabilidade dos seus
alimentos de baixo IG. O site também contém um link cheio de informações
obsoletas para assustar leitores e levá-los a pensar que dietas
low-carb são perigosas.
As pessoas que me mandam esses materiais sempre me pedem para espalhar
as notícias sobre os supostos benefícios à saúde dos seus produtos para
os leitores do meu blog – apesar de que é óbvio que eles nunca visitaram
o blog, ou não teriam desperdiçados seus elétrons me mandando email com
seu lixo eletrônico..
Há um bocado de dinheiro a ser feito vendendo grãos baratos para um
público crédulo. Simplesmente observe o design de uma caixa de "cereal
de grãos integrais"! Então há também um bocado de dinheiro disponível
para promover teorias de saúde que induziriam as pessoas a comprar esses
produtos de grãos superfaturados.
Simplesmente tenha em mente que quando você revisar qualquer estudo que
queira propagar os benefícios à saúde de uma dieta de baixo IG, ele
sempre compara uma dieta de baixo IG ou de grãos integrais com uma dieta
feita completamente de comida-lixo.
Eu seria a última pessoa a argumentar que uma dieta rica em grãos
integrais é pior para você que uma feita de sucrilhos açúcarados e
batata frita. Mas você nunca vai ver o Conselhos dos Grãos comparar os
benefícios de saúde das suas dietas com os de uma dieta que seja pobre
em carboidratos de qualquer tipo. Isso é porque a evidência de estudos
não-financiados pela indústria mostra que quanto menos carboidratos
comemos, melhores os resultados de saúde. Você pode ver alguns desses
estudos aqui: estudos provando a segurança e eficiência de dietas low-carb
Quando você tem prediabetes ou diabetes, o seu glicosímetro é a autoridade máxima
Não importa o quê qualquer pessoa te diga sobre a saudabilidade de um
alimento, você pode verificar por si mesmo usando o seu glicosímetro. Se
um alimento é teoricamente de baixo IG, teste 2h depois de comê-lo e
veja o que fez à sua glicemia. Se elevar acima do seu objetivo
glicêmico, não é saudável para você.
Se a sua glicemia parece saudável quando você testa depois de 2h, teste
novamente após 3h para garantir que uma digestão mais lenta não está
escondendo um pico que ocorre quando a comida finalmente atinge a
corrente sanguínea.
Se comer macarrão, teste depois de 4 ou 5 horas, pois a massa feita com
semolina pode ser digerida muito lentamente. (macarrão "fresco", feito
com farinha branca comum, em contraste, é digerido muito rapidamente).
Algumas massas que afirma ser de IG muito baixo podem aumentar a sua
glicemia em jejum na manhã seguinte à ingestão.
Se você usa insulina de ação rápida para "cobrir" uma refeição, saber o
IG de um alimento pode te ajudar a ajustar o momento da aplicação.
Comidas de baixo IG como feijões e arroz integral serão frequentemente
mais fáceis de cobrir com insulina do que pão branco. Mas esteja
preparado para algumas surpresas, pois há muitos alimentos que são "de
baixo IG" para algumas pessoas com controle glicêmico normal, e que vão
disparar a sua glicemia. Aveia e bananas são dois exemplos de alimentos
recomendados por nutricionistas como "saudáveis", que têm dado a muitos
de nós surpresas desagradáveis. Lembre-se, também, que misturar
alimentos vai alterar a velocidade com que são digeridos.
Tenha em mente, também, que em termos de saúde geral, você estará melhor
quanto menos insulina usar. Então mesmo que você possa cobrir um monte
de carboidratos com uma dose de ação rápida, pode não ser uma boa idéia
fazer isso com frequência, ou você vai acabar tendo os mesmos problemas
ligados à insulina que as pessoas que não têm diabetes desenvolvem
quando têm altos níveis de insulina em circulação.
Novidade! Prova conslusiva de que alimentos de baixo IG não melhoram a saúde em pessoas normais
Por anos eu comprei a idéia de que um IG baixo poderia ser de alguma
utilidade para pessoas com glicemia normal. Mas um estudo publicado em
2015 mostrou que comer alimentos com baixo IG não faz nada para melhorar
a saúde de pessoas com glicemia normal. Carboidratos, no fim das contas
são carboidratos para eles também. Absorção rápida ou lenta, não
importa. Comer comidas com IG mais baixo não produz desfechos de saúde
melhores. Para aprender mais sobre esse estudo, ignore a manchete e leia
o relatório: Índice glicêmico não deveria preocupar pessoas sem diabetes
Lição de casa: o IG não deveria preocupar NINGUÉM. É ciência mal-feita,
tornada popular por companhias refinadoras de grãos com medo de perder
consumidores para dietas low-carb, mais saudáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário