A tal “Força de Vontade” para emagrecer. Cadê? Onde? Quando? Como?
Possivelmente todo mundo, ou quase todo mundo, já ouviu ou leu em algum momento que para emagrecer e seguir dietas precisamos ter força de vontade.
Escutamos sobre força de vontade no papo fitness de academia, durante avaliação física de muitos personal trainers, no consultório com o nutricionista, no consultório com o nutrólogo, com muitos endócrinos, nos papos de grupos de emagrecimento, nas fofocas em salões de beleza, nos “conselhos” de amigos que estão de dieta… Puxa, assunto tão falado! Deve ser verdade… Será mesmo?
(Cadê essa bandida da força de vontade que não aparece? Por onde anda essa tal força que todo mundo parece ter e você não? O que faz? O que come? Como vive? Sexta, no Globo Repórter. )
Tanto se fala na maltratada força de vontade para vencer a compulsão, a depressão, a ansiedade… E pouco se sabe sobre ela, de fato. A coitada é vomitada em qualquer conversa ou consulta, com o locutor crente e abafando de que falar dela é a resolução para os problemas da humanidade com a comida (ou sobre qual for o transtorno/problema).
A força de vontade provavelmente é o termo mais usado em consultórios e nos papos de dieta. Mais usado e mais mal empregado!! Dar um tapa na cara ou fazer a pessoa rolar escada abaixo e falar sobre ter força de vontade parecem ser a mesma coisa e parecem estar na moda.
Para viver? Tenha força de vontade.
Para vencer a compulsão? Tenha força de vontade.
Para parar de usar drogas? Tenha força de vontade.
Para combater a depressão? Claro, força de vontade.
Para falar bobagens para os pacientes e pessoas vulneráveis psiquicamente? Não precisa ter força de vontade, só não ser empático e ver o problema de maneira superficial mesmo.
A educação nutricional tradicional parte do conceito de que realizar algo (dietas, no caso) depende unicamente da posse, da vontade, por parte de uma pessoa. Da capacidade para seguir dietas.
Parece lógico. Parece verídico. Na realidade, é apenas um pensamento raso e medíocre. O que mais se encontra nos consultórios e academias são pessoas que possuem PLENA capacidade para fazerem algo, e ainda assim não conseguem fazer!
A conduta tradicional, diante dessa situação, normalmente segue duas opções de intervenção: Ou você comunica a pessoa que ela não tem força de vontade ou você “vê” que a pessoa não quer mudar e então não faz nada e “joga a toalha”, porque, afinal, a culpa vai cair sobre a pessoa em continuar gorda/fracassada/perdedora.
Vamos para uma terceira, e, lúcida, intervenção: A pessoa tem plena capacidade e possui também a vontade consciente de fazer algo, mas NÃO CONSEGUE por fatores INconscientes, conflitos comportamentais/alimentares familiares, fatores econômicos importantes, cultura, crenças e hábitos enraizados, estilo de vida, confusão psíquica com as informações que recebe da mídia e indústrias de alimentos/da moda, e claro, não menos importante, porque dietas realmente são incompatíveis com a mente e também pelas patadas que alguém recebe de pessoas que não compreendem a totalidade do problema em questão e o tratam de forma simplista.
É realmente difícil prosseguir quando alguém te empurra para o chão quando você tenta ser ouvido.
Nasce então a resistência com o tratamento tradicional da compulsão/obesidade/transtorno alimentar/ansiedade/depressão/(preencha aqui o problema)
Compreender a resistência, absolutamente natural por todos esses fatores, e trabalhá-la deveria ser padrão-ouro para conduzir um tratamento. E não forçar a pessoa a adquirir vontade (que ela já deve possuir) para seguir algo que ela não consegue. Aí temos a parte torturante do termo força de vontade: A pessoa é “forçada” a ter vontade. A vontade surge pela força. Principalmente, se associada a comentários humilhantes sobre seu corpo e sobre o que come, seja comentários ditos em consultório ou por conhecidos que estão aconselhando “pela sua saúde”.
Exemplo clássico: Uma pessoa não consegue dizer “NÃO” quando lhe oferecem comida, e então acaba comendo mais do que o seu limite interno de saciedade.
Até onde sabemos, a pessoa tem boca, possui a vontade de dizer, sabe articular palavras (não tem problema neurológico algum que impeça isso)… E, come o que oferecem, não conseguindo dizer o não, por resistência. VIDE FATORES ACIMA.
Ninguém não muda de hábitos alimentares porque não quer. Não muda porque naquele momento, mesmo sendo capaz e querendo, há consequências (pela resistência) reais e imaginárias que a pessoa ainda não consegue suportar ou lidar.
NÃO É UMA SIMPLES QUESTÃO DE FORÇA DE VONTADE.
Repitam conosco: Não é uma simples questão de força de vontade. #mantra
A resistência é um sintoma super, ultra, mega ignorado e perigosamente substituído pela fatigante “força de vontade”.
Seguir dietas e combater a compulsão são tratadas como uma questão de querer, de vontade, de foco. Sendo que o querer muitas vezes é um querer forçado por profissionais, por comentários gordofóbicos, por traumas psíquicos. Não é por livre-arbítrio. A mudança no comportamento alimentar deve ser resultado da relação da pessoa com o ambiente e da relação do sujeito com suas marcas e cicatrizes psíquicas.
Ou seja: dietas não funcionam. E se funcionassem, também não seria por meio da famosa força de vontade.
Eu quero uma casa no campo
Eu quero um pônei
Eu quero um campo de tulipas só para rolar nele
Eu quero um boneco de neve
Eu quero viajar no espaço
Eu quero a coroa da rainha da inglaterra
Eu quero jantar com o George Clooney
Eu quero movimentar objetos por telepatia
Eu quero 1 milhão de dólares para me divertir!
Eu quero um ganso dourado!
Esperamos que por meio desta lista, tenhamos conseguido deixar claro que QUERER não é PODER.
…Ou não necessariamente.
Podemos querer muitas coisas, mas ao contrário do que é dito em muitos discursos de autoajuda que vemos por aí, o UNIVERSO não vai nos conceder algo que queremos pelo mero fato da gente querer.
Razão n. 1: Podemos estar querendo algo inatingível ou esdrúxulo (como um ganso dourado… ou ter um corpo igual ao da modelo da revista)
Razão n.2: o processo não é tão simples. E QUERER é só o começo.
É preciso ir além do QUERER. O querer precisa se transformar em ATITUDE. E do querer até o agir existe um abismo de resistências.
Ok. Antes de qualquer coisa, precisamos verificar se aquilo que estamos QUERENDO é viável. Dizem por aí que nós podemos transformar todos os nossos sonhos e desejos em realidade.
Então…
Eu quero viajar no tempo!
…Não rola.
Assim como viajar no tempo é uma coisa que não vai acontecer, emagrecer todo o peso acumulado em uma vida não vai acontecer. E ter o corpo de OUTRA PESSOA não vai acontecer. E se curar de uma depressão de um momento para outro não vai acontecer. E conquistar sua independência financeira vendendo shakes não vai acontecer. E _____________ (escolha um milagre e preencha aqui) não vai acontecer.
Dito isto, quando nós queremos e determinamos uma meta PALPÁVEL, RAZOÁVEL e ATINGÍVEL precisamos passar para uma etapa que vai além do querer. E essa é a parte mais difícil.
Não basta dizer “basta ter força de vontade” ou “foco, força e fé” para que o problema seja resolvido.
O que normalmente acontece é que o mantra “foco, força e fé” suscita um sucesso aparente em algumas pessoas, mas a realidade é que elas mergulham num comportamento compulsivo e substituem uma dor por outra.
Ou seja, a obsessão por comida pode transmutar em uma (louca) obsessão por restrição alimentar e exercícios…
E a pessoa pára de pensar em comida o tempo todo, mas todo o sofrimento do desejo de emagrecer se converte em contar calorias, frequentar a academia SEM PODER faltar nunca, NUNCA se permitir desviar da dieta e a coisa toda vira um inferno mental vestido com outra roupa.
Para que possamos viver mudanças sustentáveis, verdadeiramente transformadoras, precisamos olhar de frente para o nosso sofrimento e ressiginificar crenças.
(cadê a força de vontade agora?)
E isso não é um trabalho fácil. A VERDADEIRA mudança é um caminho pedregoso. Não é rápido. Exige muito diálogo interno e descobertas… Para que seja possível modificar um comportamento de maneira que isso não seja efêmero e temporário (ex. Uma dieta que dura semanas ou no máximo alguns meses)
LEMBRANDO QUE: de maneira nenhuma estamos advogando contra o pensamento positivo, a esperança e a fé. Tudo isso é válido, importante, eficaz e faz parte do processo. O que você não pode tomar como verdadeiro são os discursos de autoajuda mastigados que dizem que você pode manipular o Universo para que ele te presenteie com um unicórnio rosa-pink simplesmente porque você “merece”. Não somos tão especiais assim. E quando queremos resolver um problema, infelizmente não há solução mágica: isso dá trabalho.
Somos seres humanos complexos. Não espere que com “força de vontade” seus transtornos psíquicos se resolvam através de psicologia de boteco.
Autoras: Paola Altheia e Ana Perdigão.
Ps:Se você quiser refletir um pouco sobre força do hábito x força de vontade, assista o TED da Soninha Francine. Ela não fala sobre comida, mas a discussão é interessante.
Fonte: https://naosouexposicao.wordpress.com/2016/03/06/forca-de-vontade/
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