O problema da farinha de trigo.
Colocando de lado um provável aumento da permeabilidade intestinal decorrente de um consumo excessivo de carboidratos processados (trigo processado e açúcar), a exposição excessiva a eles (não precisa ser muito alta!) é problemática de diversas maneiras, mesmo em meio a ausência de uma permeabilidade intestinal. Esta exposição torna pessoas mais suscetíveis a sofrerem ataques ao sistema imunológico, causando uma manifestação de anticorpos de defesa do corpo e desencadeando processos inflamatórios, a inflamação crônica de baixo grau.
Há muito tempo se sabe que o consumo de alimentos processados está relacionado aos processos inflamatórios e autoimunidade e ao ganho de peso e a obesidade, no entanto, nem todos os estudos têm analisado este efeito e a sua relação com as propriedades do trigo e suas proteínas. De fato uma série de estudos somente observa o potencial destes alimentos de levar os indivíduos ou cobaias a consumir mais calorias e, por conseguinte, levar a um ganho de peso, classificando-os de acordo com o grau de valor de recompensa do alimento, sem examinar os mecanismos biológicos por trás do que desencadeia os processos de inflamação crônica e autoimunidade.
Este post tem como objetivo de abordar alguns dos mecanismos, pelos quais o consumo do trigo processado desencadeiam processos inflamatórios, em muitos casos sistêmicos e crônicos e a autoimunidade em indivíduos com doenças celíacas, sensibilidade ao glúten, ou até mesmo sem sensibilidade ao glúten.
Doenças autoimunes, uma perspectiva evolutiva
A adoção de uma estratégia dietética baseada nos princípios evolutivos (dieta paleolítica) tem sido utilizada por milhares de pessoas nos EUA e mais recentemente no Brasil, como tratamento de doenças autoimunes não relacionadas à doença celíaca – aquelas caracterizadas por sintomas em que o sistema imunológico ataca diretamente os tecidos de diferentes partes do corpo – com resultados surpreendentes até mesmo para aqueles entre nós que estamos cientes da toxidade do trigo e de seus efeitos potencialmente debilitantes no sistema imunológico, levando a uma remissão completa dos sintomas em semanas, ou meses.
Além do grande numero de depoimentos por trás de uma intervenção dietética para o tratamento de doenças autoimunes, os estudos epidemiológicos mostram uma TOTAL ausência de doenças autoimunes na grande maioria das populações primitivas. De fato, relatos históricos demonstram com muita clareza e consistência a relação entre a introdução de alimentos modernos (trigo, açúcar e margarinas) e o desenvolvimento de doenças autoimunes, incluindo as doenças degenerativas, as que mais afligem o homem moderno. Dr. Cordain, cientista da universidade de colorado dos EUA é perito no que diz respeito à relação entre compostos de alimentos como grãos e leguminosas e seu impacto no sistema imunológico e estudou com bastante profundidade esta questão, em especial o papel deles no desenvolvimento da esclerose múltipla:
Para assistir uma de suas palestras sobre a cura da esclerose múltipla com o modelo ancestral de dieta: https://www.youtube.com/watch?v=_3RvWGx0AJE
Para mais informações sobre esclerose múltipla, leia: Sem lentilhas para o ano novo! Porque ser cauteloso com as leguminosas.
Apesar da incontestável importância do extenso corpo de evidências anedóticas, eles não comprovam definitivamente a questão até que haja um extenso número de estudos clínicos e randomizados demonstrando consistentemente os mesmos resultados, portanto, é exatamente este o foco deste post (ou desta série), mostrar o que eles apontam.
Considerando o quão recente a adoção de uma dieta ancestral (paleolítica) é – ocorrendo em uma escala mais ampla nos EUA, no Brasil, e em países de língua inglesa e principalmente o grau em que o consumo do trigo tem sido promovido ao longo das ultimas décadas nestes países, entre outras razões – é natural que o foco clinico em problemas imunológicos e gastrointestinais e o reconhecimento pelo estabelecimento médico sobre o tema tem crescido apenas recentemente. De acordo com Dr. Tom O`Brian, um dos maiores especialistas em sensibilidade ao glúten e doenças celíacas uma sucessão de estudos surgiram recentemente decorrentes da maior consciência sobre a relação entre o trato gastrointestinal e as doenças autoimunes e o papel do glúten ou FODMAPS como intermédio.
Sensibilidade ao glúten e doença celíaca:
Os sintomas intestinais decorrentes do consumo do trigo em algumas pessoas muitas vezes ocorrem devido à sensibilidade ao glúten ou FODMAPS, mesmo se estas pessoas não forem portadoras da doença celíaca a qual acomete aproximadamente 1 % da população. Isso às vezes é chamado de sensibilidade não celíaca ao glúten (non celiac gluten sensitivity).
Os sintomas da doença celíaca podem afetar qualquer órgão ou tecidos do corpo, causando fadiga, diarreia, dor abdominal, dores de cabeça, fadiga, depressão, dores nas juntas e dormência nas extremidades, entre outras. Na doença celíaca, uma doença autoimune por definição, o sistema imunológico confunde as células do corpo (próprias), com células não próprias isto é, células de alimentos, deste modo atacando os tecidos de diversos sistemas do corpo quando o glúten é ingerido. Ela provoca danos no revestimento do intestino, de modo a impedir com que o corpo possa absorver devidamente os nutrientes dos alimentos.
Já os sintomas da sensibilidade ao glúten não celíaca, apesar de serem diferentes em termos de gravidade dos sintomas, podem ser semelhantes àqueles sofridas por indivíduos com a doença celíaca, embora possa não causar danos tão severos no revestimento do intestino.
A doença celíaca engloba o sistema imunológico adaptativo, enquanto que a sensibilidade ao glúten envolve a ativação do sistema imunológico inato. Em resumo, ambas derivam-se de uma predisposição genética, a sensibilidade ao glúten e doença celíaca são duas distintas patologias, com muitos dos mesmos sintomas e com o mesmo fator desencadeador ambiental, a proteína do trigo, o glúten.
A doença celíaca, não é uma alergia, é uma doença autoimune. A alergia ao trigo é uma reação às proteínas encontradas no trigo que ocorre geralmente em alguns instantes após a ingestão destas proteínas desencadeada pelo sistema imunológico.
A doença celíaca é uma doença grave bem definida e sua ocorrência tem dobrado a cada 15 anos. Nela, o sistema imunológico do corpo ataca a si mesmo quando o glúten é ingerido. Isto provoca danos no revestimento do intestino, e significa que o corpo não pode absorver devidamente os nutrientes dos alimentos. A doença celíaca não é uma alergia ou intolerância alimentar, é uma doença autoimune. Enquanto que na sensibilidade ao glúten, os ataques do sistema imunológico são dirigidos apenas contra componentes do alimento, a proteína do trigo – gliadina.
Embora a maioria dos celíacos não apresente sintomas gastrointestinais, não sendo essencialmente uma doença do intestino delgado, o consumo de trigo processado e do glúten está relacionado a um aumento da permeabilidade intestinal em indivíduos não celíacos também, devido ao aumento de reações imunes indesejáveis originadas no trato gastrointestinal. Problemas gerados na mucosa intestinal causados pelo consumo de grãos refinados, especialmente o trigo, podem comprometer a integridade da barreira intestinal e aumentar a entrada de antígenos não digeridos em circulação, de modo a sobrecarregar o sistema imunológico.
O consumo trigo em indivíduos com sensibilidade ao glúten ativa o sistema imunologico inato (inate imune system) que é a primeira linha de defesa do corpo contra substancias estrangeiras, que o corpo percebe como prejudicial. Pesquisas mostram que nestes indivíduos ocorre uma inflamação crônica de baixo grau contínua, conforme o sistema imunológico inato é ativado na presença do glúten. Em outras palavras, a exposição contínua nestes indivíduos coloca a saúde deles em risco.
Na doença celíaca ocorre a perfuração profunda e debilitante da mucosa intestinal em meio a um consumo contínuo do fator ambiental desencadeador, o glúten. Este consumo por sua vez desregula os mecanismos responsáveis por manter as dobras do intestino intactas (vilosidade intestinal), causando uma permeabilidade intestinal mais aguda e prolongada.
Depois de abrir as portas da permeabilidade intestinal muitas substâncias tóxicas, como proteínas ou fragmentos de proteínas (peptídeos) estrangeiros – sendo o glúten apenas uma delas – podem entrar em circulação, todas as quais ao contrário não entrariam, desencadeando processos inflamatórios e impedindo a absorção de nutrientes. O corpo entre em estado de autoimunidade quando o organismo passa a produzir anticorpos para combater substancias toxicas de alimentos, que não foram barrados pela mucosa intestinal.
Alimentos que eram normalmente aceitos pelo corpo, ou bem tolerados como, por exemplo, a caseína, a proteína de laticínios, solanáceas, gema de ovos entre outros, passam a ser problemáticos. Pessoas com apenas a sensibilidade não celíaca ao glúten na presença do glúten aumentam a permeabilidade intestinal muitas vezes de maneira severa também, no entanto geralmente distinta da doença celíaca e por vezes menos grave, intensa e de caráter transitório, ou até mesmo pouco perceptível (caso o consumo de glúten seja muito baixo). Desenvolve-se uma sensibilidade de caráter temporário a alguns alimentos, até que o problema seja contornado, obviamente com a eliminação do gatilho ambiental, o glúten e o trigo.
O glúten é uma proteína antígena, que por meio de um mecanismo muito singular e complexo emite sinais que regulam a abertura das tight junctions (junção de oclusão) – os espaços entre as células intestinais que permitem a passagem de substâncias antígenas (tóxicas) para a circulação – via molécula de proteína zonulina . Esta abertura caracteriza a permeabilidade intestinal, que é uma pré-condição, serve como porta de entrada para doenças autoimunes como uma resposta de defesa do organismo.
Este mecanismo é minuciosamente regulado fisiologicamente pela Zonulina, a molécula de proteína mediadora da permeabilidade da Tight junctions, sendo considerada pelos especialistas em autoimunidade como o marcador biológico mais eficaz para identificar a permeabilidade intestinal entre outros possíveis caminhos. Contudo, embora existam diferentes níveis de suscetibilidade individual a toxidade do glúten, a exposição crônica a substâncias tóxicas como o glúten desregulam este mecanismo altamente complexo, desenvolvido pelo corpo para sua própria proteção.
Em indivíduos com a doença celíaca, por exemplo, a produção de zonulina é muito maior do que em indivíduos sem a doença (>98% das pessoas) ocasionando uma abertura maior e mais prolongada dastight junctions, portanto possibilitando uma maior permeabilidade intestinal por glúten consumido com relação a não celíacos.
Nota: Os estudo indicam que a sensibilidade ao glúten, ou aos FODMAPS acomete um percentual pequeno da população, embora os sintomas possam ser severos em muitos casos. Contudo, a intolerância a carboidratos do trigo processado em excesso ocorre em larga escala.
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