segunda-feira, 5 de setembro de 2016

ÓLEO DE COCO: MAIS UM ALIMENTO FUNCIONAL?

ÓLEO DE COCO: MAIS UM ALIMENTO FUNCIONAL?

O óleo de coco é uma fonte gordura pouco convencional nos países não-tropicais, mas tem-se apresentado como uma alternativa saudável e funcional na substituição de alguns óleos vegetais refinados típicos da dieta Ocidental. O facto de ser constituído maioritariamente por gordura saturada hoje em dia já não assusta, e bem. Além disso, mais de 50% dos ácidos gordos presentes no coco são de cadeia média (MCFA), nomeadamente ácido láurico, formando aquilo a que chamamos MCTs (middle-chain triglycerides). Mas na verdade, embora todo o hype gerado, os estudos científicos em humanos com óleo de coco são escassos, de má qualidade metodológica, e inconclusivos nos seus resultados. Coloca-se a pergunta: será mais um mito da nutrição?
Antes de mais convém percebermos no que o óleo de coco difere das outras fontes de gordura. O metabolismo e absorção dos ácidos gordos de cadeia média (MCFA) é diferente dos convencionais, com cadeias acima dos 16 carbonos. O azeite e a grande maioria dos óleos vegetais (girasol, amendoim, milho, soja, etc) incluem maioritariamente ácidos gordos desta categoria. Embora exista alguma controvérsia na classificação dos MCFA, a maior parte dos autores considera-os entre os 6 e os 12 carbonos de extensão. O ácido laúrico, constituinte principal do óleo de coco, tem 12 (12:0). A nomenclatura 12:0 diz respeito ao número de carbonos (12), e ao número de insaturações (0). O ácido láurico é um ácido gordo saturado com 12 carbonos, o “mais longo dos médios”, e que constitui cerca de 50% do óleo de coco.
Após absorção no intestino, os MCFA entram na circulação entero-hepática directamente, não sendo transportados nos quilomicra através do sistema linfático como acontece com os ácidos gordos de cadeia longa (LCFA). Na verdade, o ácido láurico parece ter propriedades de MCFA e LCFA, estando no limite que separa estes dois tipos de lípidos. Ele é transportado directamente do intestino para o fígado no sangue ligado à albumina, mas também nos quilomicra em menor extensão. Quando um ácido gordo de cadeia longa é absorvido, ele é transportando pela linfa no canal torácico e só depois entra na circulação periférica. Como tal, antes de passarem pelo fígado, os LCFA passam pelo tecido adiposo e músculo, onde podem ser reservados ou eventualmente oxidados, embora a oxidação dificilmente aconteça após uma refeição. Os MCFA, onde o ácido láurico do óleo de coco se inclui, passam primeiramente pelo fígado e não no tecido adiposo. Como tal, terão uma maior propensão a serem utilizados como fonte de energia, e menor tendência a acumulação nas reservas de gordura.
A oxidação rápida e extensa dos MCFA deve-se ao facto de não dependerem da carnitina para entrar na mitocondria. A passagem dos ácidos gordos através das membranas mitocondriais é um processo altamente regulado a nível metabólico e hormonal. Na verdade, é o mecanismo que trava a utilização de gordura como fonte energética quando existem hidratos de carbono disponíveis. A acumulação de malonil-CoA, derivado do metabolismo da glicose, inibe a CPT-1, enzima responsável pela translocação dos ácidos gordos de cadeia longa para dentro da mitocondria, onde só aí podem ser oxidados a aceita-CoA. Ora, os MCFA são moléculas pequenas e difundem-se livremente pela membrana mitocondrial, não estando sujeitos a este mecanismo regulador e limitante da oxidação de ácidos gordos.
Se o fornecimento de MCFA ao fígado excede as necessidades energéticas e capacidade de integrar o ciclo de Krebs por falta de oxaloacetato, o acetil-CoA formado na beta-oxidação é canalizado para a produção de corpos cetónicos. Estes podem então ser utilizados como fonte de energia noutros tecidos, em conjunto com os MCFA que escapam ao metabolismo hepático. Uma das implicações poderá ser o efeito saciante e altamente energético que muitos verificam quando ingerem uma dose significativa de MCTs, como o óleo de coco. Mas exibindo características de MCFA e de LCFA em simultâneo, é possível que o ácido láurico promova outros mecanismos indutores de saciedade mais associados aos LCFA, nomeadamente a estimulação da CCK. Os MCFA parecem também aumentar a termogénese, favorecendo um maior dispêndio energético diário justificado pela sua elevada taxa de oxidação. No entanto carecem provas de que estes potenciais efeitos possam ter significância prática no controlo do peso. Não há muitos ensaios controlados que estudem o efeito do óleo de coco a nível da perda de peso, embora tenha sido altamente publicitado para este efeito nos últimos tempos, entre os produtos milagrosos que nada dão para além de promessas. O óleo de coco não é um suplemento alimentar, mas sim um alimento.
As gorduras alimentares têm sido um dos principais focos de atenção por parte dos investigadores dada a sua influência perfil lípido. No entanto, o papel das gorduras no risco de doença coronária é convencionalmente e abusivamente estimado através do seu impacto nos níveis de colesterol total (CT). Por este motivo, gorduras ricas em ácidos gordos saturados, especialmente de cadeia média como o ácido láurico (12:0), têm sido vistos como perniciosos e a evitar numa dita “dieta saudável”. As gorduras saturadas parecem aumentar o colesterol total do sangue de uma forma inversamente proporcional ao tamanho da cadeia carbonada. Dentro do paradigma que infelizmente persiste acerca do efeito do CT no risco cardiovascular, é normalmente aconselhado minimizar a quantidade de gorduras saturadas da dieta. No entanto, é importante ter também em conta o seu efeito nos níveis de HDL-C e muitos estudos têm falhado neste aspecto.
Os benefícios das HDL são geralmente atribuídos ao seu papel no transporte reverso de colesterol, diminuindo assim o tamanho da placa aterosclerótica e o risco de ruptura. No entanto, as HDL parecem exercer múltiplas acções metabólicas no organismo que estão em concordância com o papel protector que aparenta ter. Foram já descritas acções anti-trombóticas, anti-inflamatórias e antioxidantes, bem como um efeito regulador da função endotelial e hemodinâmica. Uma meta-análise de 60 ensaios controlados e randomizados [link] veio elucidar acerca do efeito dos diferentes ácidos gordos dietéticos nos parâmetros lipídicos do sangue. Apesar de todos os tipos de ácidos gordos (saturados, mono e polinsaturados) aumentarem o HDL-C em comparação com hidratos de carbono, o efeito das gorduras saturadas é superior. Mesmo sendo o ácido láurico (12:0) o ácido gordo que mais aumenta o CT, ele parece no entanto reduzir significativamente o rácio CT:HDL-C. Isto indica-nos que o ácido láurico é extremamente eficaz em aumentar os níveis de HDL-C no plasma e a maior parte do aumento do CT está associado à fracção lipoproteica HDL.
São escassos os estudos clínicos e de intervenção que avaliam o efeito do óleo de coco nos níveis de HDL-C ou outros parâmetros lipidémicos. Talvez o interesse sobre esta gordura exótica seja diminuto e a maioria dos trabalhos cinge-se a equipas brasileiras e do Pacífico-Sul onde o óleo de coco assume uma maior importância nos hábitos alimentares da população. Nesses trabalhos, a ingestão de óleo de coco parece favorecer um ligeiro aumento do HDL-C em indivíduos adultos, embora com fraca expressão estatística [link 1link 2]. Estes resultados obtidos em humanos são consistentes com observações em modelos animais [link]. No entanto, esta associação tendencial nem sempre é verificada, tratando-se de uma matéria controversa e ainda pouco estudada.
O óleo de coco virgem parece prevenir a oxidação das LDL in vitro, um dos factores de risco mais relevantes para a iniciação e progressão da lesão aterosclerótica, em contraste com o que se verifica com o óleo de coco refinado. A presença de polifenóis no óleo virgem pode explicar o efeito protector da peroxidação lipídica. A actividade antioxidante do óleo de coco virgem parece ser mais elevada comparativamente ao óleo refinado devido ao maior teor em compostos fenólicos. O calor aplicado na produção do óleo do coco refinado, mais de 200ºC, destrói totalmente os polifenóis e reduz substancialmente o seu potencial antioxidante. Assim, o processo de extracção do óleo parece ser um factor determinante do impacto benéfico no organismo. A escolha deverá sempre recair sobre o óleo virgem, evitando temperaturas de confecção acima de 170 ºC, que corresponde ao seusmoking point.
Uma outra propriedade de interesse do óleo de coco poderá ser o seu efeito anti-fúngico. Tem sido usado para o tratamento da candidíase intestinal, por exemplo, com algum sucesso relatado, embora, mais uma vez, os estudos científicos sejam inconclusivos. Não porque aleguem o contrário, mas simplesmente porque ainda não foram feitos com o rigor exigido. A monoleureína, derivada do ácido láurico, é tóxica para alguns microorganismos e responsável pelo efeito fungicida atribuído ao óleo de coco. Este também tem sido extensivamente usado no tratamento de problemas cutâneos infecciosos e para fins estéticos em uso tópico.
A dieta tradicional dos países Ocidentais e industrializados, em especial nas zonas não-tropicais, é praticamente isenta de ácidos gordos de cadeia média. O coco é uma das poucas fontes naturais concentradas de 12:0 e MCTs, constituindo cerca de 50% do óleo extraído da semente. Vimos que existem motivos que poderão justificar a introdução do óleo de coco na nossa dieta, mas não necessariamente em substituição de outras gorduras saudáveis como o azeite, abacate, entre outras. A única excepção será na tentativa de induzir cetose com algum objectivo específico. Neste caso a introdução do óleo de coco poderá acelerar o processo devido às características que definimos anteriormente. Também na nutrição desportiva muito se tem falado do óleo de coco e dos MCT para aumento de performance, um tema que deixaremos para outra oportunidade. Mas na verdade não existem provas de qualquer benefício funcional para além dos descritos, nem que se trate de mais uma “superfood” [LINK]. Provavelmente mais um sinal dos tempos em que vivemos, em que o exótico se torna moda, e a ciência cede à necessidade de crença em algo. A necessidade de acreditar em algo e o sentido de pertença fazem parte da natureza humana, mesmo quando não substanciada em evidência. Mal não fará certamente se for do vosso agrado e é bem melhor que qualquer óleo refinado, mas propriedades mágicas também não tem.

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