terça-feira, 22 de novembro de 2016

Dietas cetogênicas e câncer - parte I






Estou publicando a tradução de uma parte de um artigo de revisão sobre o uso da dieta com extrema redução de carboidratos - a dieta cetogênica - e sua eventual utilidade na terapia do câncer. Nessa primeira parte é falado sobre a história e aplicações clínicas, algumas já bem utilizadas e outras em avançado estágio de testes.

DIETAS CETOGÊNICAS COMO AUXILIAR NA TERAPIA CONTRA O CÂNCER: HISTÓRIA E POTENCIAL MECANISMO DE AÇÃO - parte I

(Título original: Ketogenic diets as an adjuvant cancer therapy: History and potential mechanism)
 Autores: Bryan G. Allen, Sudershan K. Bhatia, Carryn M. Anderson, Julie M. Eichenberger-Gilmore, Zita A. Sibenaller, Kranti A. Mapuskar, Joshua D. Schoenfeld, John M. Buatti, Douglas R. Spitz, Melissa A. Fath

Numerosos componentes dietéticos e suplementos foram avaliados como possíveis agentes de prevenção do câncer; no entanto, até recentemente, poucos estudos têm investigado a dieta como um possível adjuvante para o tratamento do câncer. Uma das mais proeminentes e universais alterações metabólicas vistas em células cancerosas é um aumento da taxa de metabolismo glicolítico, mesmo na presença de oxigênio [1]. Embora a absorção aumentada de glicose pelas células do tumor fosse pensada como suporte a proliferação aumentada de células cancerosas e de sua demanda energética, estudos recentes sugerem que esse maior metabolismo glicolítico tumoral pode representar uma resposta adaptativa para escapar do stress oxidativo metabólico causado pela alteração do metabolismo mitocondrial do oxigênio [2-4]. Estes dados suportam a hipótese de que as células cancerosas são dependentes do consumo de glicose aumentado para manter a homeostase redox devido ao incremento das reduções de um elétron do O2 para formar (O2•− ) (espécie reativa de oxigênio, também grafada como O- ) e H2O2 nas mitocôndrias. Essa divergência de metabolismo normal da célula tem suscitado um interesse crescente na segmentação do metabolismo de oxigênio mitocondrial como meio de sensibilizar seletivamente as células cancerosas à terapia [5-17]. A este respeito, as modificações dietéticas, tais como o alto teor de gordura, e a redução de carboidrato das dietas cetogênica, algo que melhora o metabolismo oxidativo mitocondrial enquanto limita o consumo de glicose, poderia representar uma abordagem eficaz segura, barata, e facilmente implementável para seletivamente aumentar o estresse metabólico em células cancerosas contra as células normais.

O que é uma dieta cetogênica?
Uma dieta cetogênica consiste de um alto teor de gordura, moderada ou reduzida ingestão de proteínas, e extrema redução de carboidratos, o que força o corpo a queimar gordura em vez de glicose para a síntese de adenosina trifosfato (ATP). Geralmente, a proporção por peso é de 3:1 ou 4:1 de gordura para carboidratos/proteínas, produzindo uma dieta que tem uma distribuição de energia de cerca de 8% de proteína, 2% de carboidratos e 90% de gordura. A fig. 1 apresenta a composição da dieta cetogênica clinicamente disponível a dieta 4:1 KetoCal© em comparação com outras dietas relacionadas. Quando um indivíduo ingere uma dieta cetogênica, o metabolismo das gorduras ocorre através da oxidação de ácidos graxos pelo fígado, produzindo os corpos cetônicos, incluindo o acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. As cetonas são transportadas no sangue para os tecidos onde eles são convertidos em acetil-CoA, um substrato da primeira etapa do ciclo do ácido cítrico. O conteúdo de baixo carboidrato da dieta cetogênica pode provocar uma modesta redução da glicose no sangue e um maior controle glicêmico geral, resultando em níveis mais baixos de hemoglobina glicada A1C [18]. Este tratamento também pode estimular a gliconeogênese em seres humanos para compensar a queda nos níveis de glicose no sangue [19]. A adesão e a eficácia das dietas cetogênica podem ser monitorados pela medição no soro e na urina de β-hidroxibutirato [20].

Figura 1


A descoberta da dieta cetogênica como uma terapia para enfermidades
Desde Hipócrates, períodos prolongados de jejum foram registrados como uma ferramenta terapêutica para epilepsia [21]. No início do século XX a literatura médica apresenta vários relatos de caso, sugerindo que os pacientes com várias doenças, incluindo epilepsia, se beneficiam em jejuns curtos, de 2 a 3 semanas e estes estudos atribuíram o sucesso do jejum à desidratação, à cetose ou à acidose [21]. Em 1921, Dr. R.M. Wilder na clínica Mayo propôs uma dieta na qual derivaram-se a maior parte das calorias a partir da gordura, imitando as alterações bioquímicas do jejum para o tratamento da epilepsia. Ele cunhou o termo: dieta cetogênica para essa composição dietética [21]. Com o desenvolvimento de drogas anticonvulsivantes seguras e eficazes como a fenitoína e o valproato de sódio na década de 1950, o interesse na dieta cetogênica diminuiu, mas a terapia foi ainda utilizada em casos onde os sintomas da doença foram refratários a outras terapias medicamentosas. Com base em experiências clínicas, dietas cetogênicas começaram a ressurgir na década de 1990 como uma alternativa de primeira linha e aceitável em pacientes com epilepsia da infância que eram indiferentes às outras terapias com drogas anticonvulsivantes. Um recente estudo randomizado controlado da University College London mostraram um claro benefício da dieta cetogênica no controle de convulsões da infância. Na análise final dos 54 pacientes no grupo de dieta, 61% experimentaram reduções significativas nas convulsões em comparação com 8% dos pacientes no grupo controle [22]. Além disso, depois de consumir a dieta por cerca de 6 meses, não havia nenhuma evidência de efeitos adversos significativos na cognição da infância ou adaptação social [23]
Aplicações clínicas da dieta cetogênica
O crescente reconhecimento da segurança e da eficácia do uso de dietas cetogênicas no tratamento da epilepsia resultou na aplicação bem-sucedida desta intervenção dietética para outras doenças. É de uso mais notável e bem estudado a dieta cetogênica para o tratamento da obesidade, popularizada pelo Dr. Robert Atkins (ver fig. 1) (Livro: A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins, 1972). A dieta Cetogênica também foi demonstrada sendo benéfica no tratamento de pacientes com defeitos do transportador de glicose e outros distúrbios inatos do metabolismo [24]. É relatado que a dieta se mostra promissora em retardar a progressão da esclerose amiotrófica lateral [25] e há um corpo crescente de evidências sugerindo que as dietas cetogênica podem ser benéficas em outras doenças neuro-degenerativas, incluindo a doença de Alzheimer e a doença de Parkinson [26]. Além disso, existem relatos de casos e pequenos estudos de caso, indicando melhora em pacientes com autismo [27], depressão [28] diabetes mellitus tipo 2 [18], e síndrome do ovário policístico [29].

Dieta cetogênica na terapia do câncer
Recentemente, dietas cetogênica têm sido estudadas como um adjuvante à terapia de câncer em modelos animais e relatos de casos humanos. Já em 1987, Tisdale et al. viu um tumor diminuir de peso e a caquexia melhorada em camundongos com de adenocarcinoma de cólon (técnica de enxerto externo, xenografts) se alimentando com uma dieta cetogênica [30]. Estudos adicionais têm mostrado que as dietas cetogênica reduzem o crescimento do tumor e aumentam a sobrevida em modelos animais de glioma maligno [31-33], de câncer de cólon[34], câncer gástrico [35] e câncer de próstata [36-38]. Além disso, dietas cetogênicas tem sido especuladas, com algumas evidências, de potenciar os efeitos da radiação em modelos de glioma maligno [39], bem como em modelos de câncer de pulmão de células não-pequenas [5]. O jejum, que induz a um estado de cetose, também foi demonstrado aumentar a capacidade de resposta à quimioterapia em modelos de terapia de câncer pré-clínico, bem como possivelmente atenuar alguns dos efeitos colaterais em tecido normais vistos na quimioterapia [40]. Ciclos de jejum também são relatados retardar o crescimento de tumores e sensibilizar uma gama de tipos de células de câncer com quimioterapia [40,41]. Alguns dos resultados clínicos incluem um relato de caso de dois pacientes pediátricos femininos, com tumor maligno de estágio avançado que demonstraram uma redução de 21,8% no SUV (valor de captação padronizado calculo pelo exame PET/CT) do tumor quando esses pacientes foram alimentados com uma dieta cetogênica, conforme determinado pela utilização de 2-deoxi-2 [18F] fluoro-D-glicose (FDG) utilizando a tomografia por emissão de pósitrons (PET) [42]. Um caso mais recente reportado mostra a melhoria em um paciente do sexo feminino de 65 anos de idade com glioblastoma multiforme tratada com restrição calórica dieta cetogênica juntamente com o tratamento padrão [43]. De forma importante, um estudo de qualidade de vida em pacientes com câncer avançado descobriu que uma dieta cetogênica não teve nenhum efeito adverso grave, e melhorou o funcionamento emocional e reduziu a insônia [44].

(Na segunda parte uma proposta de como a dieta cetogênica atua no câncer)

Artigo de REDOX BIOLOGY

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