Gordura interesterificada: a “nova” gordura das margarinas é segura?
No
início deste século, evidências científicas incriminando a gordura
trans foram se acumulando. A gordura trans é obtida através de um
processo industrial chamado de hidrogenação. Os óleos vegetais são ricos
em ácidos graxos insaturados. Isto quer dizer que dentro da cadeia
carbônica destes ácidos graxos existem várias ligações duplas entre os
carbonos (figura 1).
Durante
a hidrogenação são adicionadas moléculas de hidrogênio a cadeia
carbônica do ácido graxo para transformar as ligações duplas em ligações
simples (figura 2). Um efeito adverso desse processo é a hidrogenação
parcial de algumas das duplas ligações e a “torção” da molécula,
formando a famigerada gordura trans.
FIGURA 1. Exemplos de gordura insaturada. |
FIGURA 2. Processo de hidrogenação. |
Mas por que a indústria gostava tanto de usar a gordura hidrogenada? De
uma maneira geral, quanto mais insaturada for uma gordura, maior a
probabilidade dela ser líquida. E a indústria alimentícia prefere
utilizar gorduras sólidas nos seus produtos, pois além de serem mais
estáveis nas altas temperaturas atingidas durante a fritura, garantem
consistência mais agradável e maior prazo de validade aos alimentos.
Com cada vez mais órgãos governamentais e entidades de classe se
posicionando contra o uso da gordura trans, a indústria alimentícia
começou a migrar para um “novo” método para solidificar os óleos
vegetais: a interesterificação.
A interesterificação é usada desde a década de 1940. Na natureza, as
gorduras se apresentam em “trios” de ácidos graxos ligados a uma
molécula de glicerol: são os triglicerídeos (figura 3). Dependendo de
qual ácido graxo está na posição 1, 2 ou 3 da molécula do triglicerídeo,
suas propriedades físico-químicas podem ser diferentes. Na forma mais
comum de interesterificação utilizada pela indústria alimentícia
atualmente, conhecida como método enzimático, os ácidos graxos são
seletivamente ou randomicamente trocados de posição na molécula do
triglicerídeo para que um óleo líquido passe a ser sólido sem o
inconveniente da formação da gordura trans. Mas essa manipulação química
mantém a gordura própria para consumo? É algo saudável? Esta é uma
questão de resposta um pouco complexa…
FIGURA 3. Molécula de triglicerídeos. À esquerda podemos identificar os 3 carbonos da molécula de glicerol. |
Primeiramente, mesmo países que
historicamente conseguem ter informação epidemiológica apropriada como
os Estados Unidos têm dificuldade em calcular o consumo de gordura
interesterificada de sua população. Um dos motivos é a rotulagem de
muitos produtos ser pouco clara quanto ao tipo de gordura utilizada na
sua fabricação. Além disso, no caso da gordura interesterificada, também
é importante conhecer quais “gorduras bases” foram usadas na sua
fabricação, bem como a descrição do processo, já que a simples descrição
da proporção de gordura saturada e insaturada ou a origem ser vegetal
ou animal não permite estimar o comportamento biológico dentro do
organismo. De qualquer forma, estima-se que o consumo de gordura
interesterificada fique entre 1,9 e 4,8% do total energético e suas
principais fontes provavelmente são: batatinhas fritas e outros chips,
bolachas e pães industrializados, pipocas, margarinas, congelados
prontos para fritar (nuggets e empanados, por exemplo), maionese e
sorvetes.
Como os dados de consumo populacional são apenas estimados, até o momento grande parte do que se sabe sobre o impacto do consumo das gorduras interesterificadas vem de estudos pequenos, muitos feitos em animais e de curta duração.
Além disso, como a gordura
interesterificada compreende diversas combinações de ácidos graxos
dentro da molécula de triglicerídeo, os resultados destes estudos são
extremamente heterogêneos. Outra falha importante destes estudos é não
conseguir reproduzir as situações reais de consumo. Isto é, ninguém come
gordura interesterificada pura e em níveis até 4 vezes acima do
habitual. Mas é assim que alguns estudos tentam avaliar o impacto da
gordura interesterificada na saúde…
De qualquer forma, alguns pontos
relevantes já foram identificados. Por exemplo, o ácido graxo de está
ligado na posição 2 da molécula de triglicerídeo parece ser importante,
já que ele pode ser absorvido mais facilmente pelo organismo. Além
disso, o comprimento das cadeias dos ácidos graxos que ficam nas
posições 1 e 3, nas pontas da molécula, também parece ser importante, já
que os saturados de cadeia longa podem ser pior absorvidos quando
comparados aos saturados de cadeia média. Dependendo de qual ácido graxo
é preferencialmente absorvido a resposta do organismo é diferente com
diferentes níveis de triglicerídeos, colesterol, marcadores
inflamatórios e mesmo de glicose e de insulina.
Em resumo, até o momento ainda não sabemos se a “substituta da gordura trans” é mais saudável que ela. Para que esta pergunta seja corretamente respondida, além de mais alguns anos de pesquisa, as regras de rotulagem dos produtos alimentícios industrializados precisaram ser revistas. Neste tipo de situação onde não sabemos o real efeito de algo, o princípio da prudência se impõe.
Logo, além de dar preferência às fontes naturais saudáveis de gordura (azeite de oliva, por exemplo), o consumidor tem direito de ser bem informado para decidir o que é melhor para si.
Referência:
1- Mensink RP, Sanders TA, Baer DJ, Hayes KC, Howles PN, Marangoni A. The Increasing Use of Interesterified Lipids in the Food Supply and Their Effects on Health Parameters. Adv Nutr. 2016 Jul 15;7(4):719-29.
Referência:
1- Mensink RP, Sanders TA, Baer DJ, Hayes KC, Howles PN, Marangoni A. The Increasing Use of Interesterified Lipids in the Food Supply and Their Effects on Health Parameters. Adv Nutr. 2016 Jul 15;7(4):719-29.
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