UMA NOVA TEORIA SOBRE CÂNCER: O QUE NÓS SABEMOS SOBRE COMO ELE SE INICIA PODE ESTAR COMPLETAMENTE ERRADO
A NEW THEORY ON CANCER:
WHAT WE KNOW ABOUT HOW IT STARTS COULD ALL BE WRONG
ARTIGO DA NEWSWEEK
DE
Paul Davies sabe o que há de errado com a pesquisa do câncer: muito dinheiro e poucas perspectivas. Apesar dos bilhões de dólares investidos na luta contra esta doença, ela permanece como um inimigo inescrutável. "Existe essa suposição de que você pode resolver o problema jogando dinheiro sobre ele", diz ele, "que você pode gastar seu caminho para uma solução". Davies, físico teórico da Universidade Estadual do Arizona (ASU) - e, portanto, um pouco de um intruso no campo do câncer - afirma que ele tem uma idéia melhor. "Eu acredito que você tem que pensar seu caminho para uma solução".
Ao longo de vários anos, pensando no câncer, Davies apresentou uma abordagem radical para a compreensão. Ele teoriza que o câncer é um retorno a um tempo anterior na evolução, antes de terem surgidos os organismos complexos. Quando uma pessoa desenvolve câncer, ele postula, suas células regridem de seu atual estado de sofisticação e complexidade para se tornar mais similar a vida unicelular prevalecente há um bilhão de anos atrás.
Mas enquanto alguns pesquisadores estão intrigados com a teoria de que o câncer é um retrocesso evolutivo, ou atavismo, muitos pensam que isso é tolice. Essa teoria sugere que nossas células se recuperam fisicamente de sua forma atual - uma peça complexa no enigma ainda mais complexo que constitui um pulmão ou um rim ou um cérebro - a um estado primitivo semelhante a algas ou bactérias, uma noção que parece absurda a muitos cientistas. No entanto, gradualmente, a evidência está emergindo de que Davies poderia estar certo. Se ele está - se o câncer realmente é uma doença onde nossas células atuam como seus antepassados unicelulares de uma remota eternidade -, então, a abordagem atual do tratamento pode estar completamente errada.
Caldo Primordial
Davies nunca considerou pesquisar câncer quando recebeu uma chamada da bióloga Anna Barker em 2007. Na época, Barker era a vice-diretora do Instituto Nacional do Câncer, e ela contou a Davies sobre uma nova iniciativa que buscava trazer conhecimentos e insights das Ciências Físicas - química, geologia, física e similares - na pesquisa sobre câncer. A rede resultante financiada pelo NCI, que começou em 2009 e incluiu 12 instituições, foi uma chance para os "outsiders" em câncer trocarem e expandir informações não convencionais sobre a doença. A proposta de Davies para um Centro para a Convergência de Ciências Físicas e Biologia do Câncer na ASU foi selecionada para a rede.
Acostumado a fazer as perguntas mais básicas na física - Como o universo começou? Como a vida começou? - Davies decidiu assumir uma tática semelhante com uma das doenças mais temidas da humanidade. Ele começou com duas perguntas simples: o que é câncer e por que existe? Apesar de décadas de pesquisa e mais de um milhão de artigos científicos sobre o estranho e incontrolável crescimento celular que chamamos de câncer, ninguém jamais desvendou esses mistérios fundamentais.
Para Davies, a primeira pista sobre a origem do câncer foi o fato de ser comum durante a vida multicelular; isto é, qualquer organismo feito de várias células em vez de apenas uma única célula, como bactérias. O fato de que a doença ocorre em tantas espécies indica que deve ter evoluído muito antes dos seres humanos existirem. "O câncer", diz Davies, "está muito profundamente enraizado na forma como a vida multicelular é feita". Em 2014, por exemplo, uma equipe de pesquisa alemã liderada por Thomas Bosch, biólogo evolutivo da Universidade de Kiel, descobriu o câncer em duas espécies de hidra , um dos primeiros organismos a evoluir a partir de espécies primitivas unicelulares. "O câncer é tão antigo quanto a vida multicelular na Terra", disse Bosch na época.
A evidência de que o câncer é uma regressão evolutiva vai além da onipresença da doença. Os tumores, diz Davies, atuam como organismos unicelulares. Ao contrário das células de mamíferos, por exemplo, as células cancerosas não estão programadas para morrer, tornando-as efetivamente imortais. Além disso, os tumores podem sobreviver com muito pouco oxigênio. Para Davies e sua equipe, que inclui o astrobiologista australiano Charles Lineweaver e Kimberly Bussey, especialista em bioinformática da ASU, esse fato apóia a idéia de que o câncer surgiu entre 1 bilhão e 1 bilhão de anos atrás, quando a quantidade de oxigênio no atmosfera era extremamente baixa.
Os tumores também se metabolizam de forma diferente das células normais. Eles convertem glicose em energia com incrível rapidez e produzem ácido láctico, um produto químico que normalmente resulta do metabolismo que ocorre na ausência de oxigênio. Em outras palavras, as células cancerosas fermentam, e os cientistas não sabem o porquê. Este fenômeno é conhecido como o efeito de Warburg, assim denominado por Otto Warburg, um bioquímico alemão que ganhou um Prêmio Nobel em 1931 por suas descobertas sobre oxigênio e metabolismo. Até 80 por cento dos cânceres exibem o efeito de Warburg. Os pesquisadores sabem que muitos tipos de câncer dependem do efeito Warburg para sua sobrevivência, mas eles não sabem o porquê. Para Davies, a estranha maneira pela qual os tumores fazem seu metabolismo também fala do passado antigo do câncer: eles estão se comportando como se não houvesse oxigênio disponível.
As células malignas também produzem ácido, o que Mark Vincent, outro proponente da teoria atávica, diz que elas criam um ambiente que remanesce a atmosfera durante o éon proterozóico, quando a vida apareceu pela Terra. A semelhança entre essas duas ecologias - dentro de um tumor e do planeta na antiguidade - levou Vincent, um médico oncologista do London Regional Cancer Center em Ontário, a refletir se a liberação ácida é "um traço primitivo" das células cancerosas. O fato de que as células cancerosas dependem deste ambiente avinagrado para sua sobrevivência - "[Elas] podem usar este ácido para comer seu corpo", diz Vincent, empresta credibilidade à teoria de que o câncer é uma regressão evolutiva.
Vidas unicelulares |
David Goode, biólogo computacional de câncer no Peter MacCallum Cancer Center na Austrália, e seus colegas descobriram que os genes presentes em organismos unicelulares, um indicador de sua idade muito antiga, eram prevalentes nos genomas de vários tipos de câncer, ao passo que os genes que surgiram mais tarde eram menos importante para o crescimento e a função do tumor.
Se o câncer é uma reversão do presente para a forma de vida passada, o que desencadeia a mudança? Davies acredita que a regressão começa quando o corpo está danificado ou estressado. Ele usa a analogia de um computador que sofre de um mau funcionamento do hardware e inicia-se no modo de segurança. O câncer segue o mesmo padrão de lesão seguido de "modo seguro" unicelular - diz Davies, mas iniciado por, por exemplo, um erro na replicação de DNA em vez de um problema de hardware. Câncer, diz Davies, "é um mecanismo de defesa que tem raízes muito antigas".
A transição das células cancerosas do metazoário (animal) para o protozoário (organismo unicelular) ”não é um resultado puramente acidental de mudanças aleatórias", diz Goode. Em vez disso, a necessidade de sobreviver leva as células cancerosas a um genoma mais primitivo. "Reverter para um estado mais primitivo ajuda uma célula tumoral não apenas a se dividir mais rapidamente, mas também a se adaptar às constantes pressões ambientais que enfrenta", diz Goode.
Esta visão é radicalmente diferente do atual paradigma do câncer, o que afirma que o câncer é uma doença genética. Anormalidades hereditárias ou alterações genéticas espontâneas e imprevisíveis, às vezes causadas por agentes cancerígenos ambientais, produzem versões de genes que causam operações normais dentro de uma célula. Às vezes, uma proteína responsável pela sinalização da divisão celular nunca pode desligar. Outras vezes, o sinal para morte celular nunca tem sucesso. Os pesquisadores descobriram dúzias de caminhos abertos como resultado de tais variantes genéticas.
Os recentes esforços para desenvolvimento de drogas se concentraram fortemente em alvejar esses caminhos para impedir que as células se dividissem, forçar a sua morte ou de outra forma suspendam o crescimento do tumor. Os resultados tem sido contraditórios. Algumas dessas drogas prolongam a vida, como as que visam a mutação HER2 no câncer de mama, a mutação ALK no câncer de pulmão e a mutação BRAF no melanoma.
No entanto, os benefícios das chamadas terapias direcionadas foram escassos. Embora a taxa de mortalidade por câncer tenha diminuído cerca de 13% entre 2004 e 2013, de acordo com o NCI, os números globais ainda são surpreendentes. Em 2016, cerca de 1,7 milhões foram diagnosticados com câncer e quase 600 mil pessoas morreram pela doença nos EUA.
E os avanços chegaram a um custo exorbitante. A despesa com o cuidado do câncer aumentou mais do que o dobro desde 1990, atualmente ultrapassando os US $ 125 bilhões por ano nos EUA e deverá chegar a US $ 173 bilhões até 2020. O custo das terapias direcionadas pode chegar facilmente a US $ 65.000 por ano por paciente, mas as drogas geralmente prolongam a vida por apenas alguns meses.
Davies pensa que o foco monetário e restrito em terapias direcionadas é equivocado. Esses novos medicamentos tendem a se concentrar em atacar os pontos fortes do câncer em vez de suas fraquezas; seu músculo em vez do seu calcanhar de Aquiles. Por exemplo, um medicamento pode ser projetado para parar a proteína anormal que permite que uma célula se divida sem parar. Mas, diz Davies, ao mesmo tempo que a divisão celular sempre existiu, sempre houve ameaças a isso. "A vida teve 4 bilhões de anos para desenvolver respostas a essas ameaças", diz ele. Os tumores são incrivelmente habilidosos em contornar o estresse de uma nova droga ao desenvolver anormalidades genéticas que preservam sua capacidade de se dividir. Pacientes com câncer conhecem muito bem esta força: muitas terapias uma vez muito potentes pararam de funcionar porque as células tumorais tornam-se resistentes, eventualmente esgotando todas as opções de tratamento.
A teoria atávica anuncia novas abordagens. Medicando tumores com a menor dose possível pode evitar a evolução de caminhos resistentes à terapia que de outra forma permitem que o câncer se espalhe por todo o corpo. "Você não precisa se livrar disso", diz Davies, "você só precisa entender e controlá-lo". Vincent imagina explorar outras características das células cancerígenas, como o ambiente ácido que elas produzem e sua tolerância à hipoxia, ou seja às deficiências de oxigênio. Por exemplo, uma droga ativada por ácido pode atingir células cancerosas e não tecidos normais.
O efeito de Warburg poderia fornecer outro caminho de ataque, visando as forças por trás do metabolismo das células cancerígenas, que diferem de forma clara do processo normal. A evidência de que o câncer é vulnerável a este plano de jogo está aumentando. Craig Thompson, presidente e CEO do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, lançou recentemente a Agios Pharmaceuticals, que está testando drogas contra uma enzima mutante que impulsiona o metabolismo na leucemia mielóide aguda.
Os pesquisadores também trabalharam a perspectiva da deficiência de oxigênio contra os tumores. Um estudo em ratos com câncer metastático mostrou que o oxigênio puro ou hiperbárico combinado com uma dieta rica em gordura e muito reduzida em carboidratos aumentou o tempo de sobrevivência. Vários estudos também mostraram um benefício da oxigenoterapia hiperbárica. Mas os dados iniciais ainda não são substanciais, e a abordagem ainda é considerada um tratamento alternativo que não possui evidências clínicas rigorosas. Nenhum estudo científico explorou o ambiente ácido dentro dos tumores como um tratamento. A teoria atávica é muito nova para se traduzir em avanços significativos na terapêutica.
Abrindo espaço para a novidade
Muitos oncologistas são céticos de que isso acontecerá. O biólogo evolucionista Chung-I Wu, da Universidade de Chicago, chama a teoria atávica de "uma posição extrema". Os cientistas também criticaram a referência de Davies à desacreditada "teoria da recapitulação" de que os embriões humanos desenvolvem órgãos vestigiais temporários - brânquias, cauda, saco vitelino - como suporte para o modelo atávico. "Eu fui ridicularizado pela comunidade de biologia", diz Davies.
Análises genéticas do biólogo Xionglei He e colegas, na Universidade Sun Yat-sen, na China, descobriram que a disseminação do câncer em todo o corpo ocorre quando os genes multicelulares perdem a função, eliminando a complexidade evoluída, de modo que os tumores se assemelham a organismos unicelulares. Mas em seu estudo da Nature Communications , os autores enfatizam que as células cancerosas não se tornam "ancestrais primitivos" de mais de 600 milhões de anos atrás. A noção de "evolução reversa" é, eles dizem, apenas uma esquematização, e apenas um dos muitos processos em camadas que estimulam o desenvolvimento e o crescimento do câncer. Wu cita este trabalho como mais "respeitável" do que os estudos de Davies e Vincent.
Davies é imperturbável pelas objeções. "O meu sentimento é, quem se importa? A idéia era entrar de fora e dar uma nova perspectiva ", diz ele. Davies vê a crítica como muito enraizada na territorialidade e preocupações financeiras. "O câncer é uma indústria de vários bilhões de dólares que está sendo executada há décadas. Há muitos interesses adquiridos lá fora.” Depois de cinco anos com o programa do NCI, Davies agora é financiado pela NantWorks, uma empresa privada de cuidados de saúde privada de propriedade do cientista e bilionário investidor Patrick Soon-Shiong (que fez sua fortuna reformulando a droga paclitaxel para o câncer de mama ser mais eficaz), para continuar seu trabalho de desenvolvimento do modelo atávico.
Mark Ratain, um oncologista focado em novos tratamentos de drogas na Universidade de Chicago, ressalta que as terapias mais atuais são muito tóxicas, muito dispendiosas e não estão fazendo avanços reais. Ratain recentemente iniciou um consórcio Value in Cancer Care, sem fins lucrativos, para testar novos regimes de medicamentos que reduziriam o custo do tratamento do câncer. "Temos que abrir espaço para drogas novas", diz Ratain, "e idéias inovadoras".
Vincent, que teve sua primeira visão sobre o atavismo na mesma época que Davies também estava perseguindo sua teoria. Vincent leva o fenômeno unicelular a um passo adiante, acreditando que o câncer pode ser sua própria espécie. A grande diferença entre nossas células saudáveis e cancerígenas parece mais um salto na árvore evolutiva, em vez de um salto para outro ramo. "Parece-me uma forma diferente de vida", diz ele. Vincent reconhece que as mutações do DNA muitas vezes causam câncer, mas ele vê o paradigma genético como "muito incompleto".
Independentemente do paradigma do atavismo acabar por melhorar a vida dos pacientes, muitos especialistas consideram o valor de romper barreiras mentais em torno do câncer. "Oncologistas como eu falharam", diz David Agus, que dirige o Lawrence J. Ellison Institute For Transformative Medicine da Universidade do Sul da Califórnia e co-autor de um artigo com Davies sobre a necessidade de novos conhecimentos sobre câncer. "Nós realmente não produzimos muito impacto contra esta doença horrível". Davies pensa que o futuro do câncer pode depender dessa visão antiga. "A verdade é", diz ele, "acho que estamos em algum lugar".
Texto original AQUI: http://www.newsweek.com/2016/07/29/cancer-evolution-cells-637632.html
Olá! Eu gostei muito da matéria. Estava lendo na Latin America Newsweek e não estava compreendendo algumas partes. Agora estou muito satisfeita pois consegui compreender. Obrigada pela matéria traduzida e por trazer um conteúdo atual como este, sobre o câncer.
ResponderExcluirThank you very much!