segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Os cereais e a saúde mental - parte I



Estou publicando nesse final de ano a tradução de um longo artigo que examina as relações entre o consumo de cereais, especialmente o trigo e sua influência na saúde mental. A publicação foi dividida em duas partes. Se trata de um artigo do jornalFrontiers in Human Neuroscience, de março de 2016. Quem já leu o livro "Barriga de Trigo" vai encontrar conteúdos conhecidos, mas há uma especial abordagem em cima da saúde da parede intestinal e suas relações com o microbioma. As referências estarão publicadas ao final da segunda parte. Um tema palpitante trazido ao público de uma forma relativamente simples, tendo em vista a complexidade dos aspectos biológicos envolvidos. Sem dúvida um dos artigos mais importantes desse site em 2016!

O PÃO E OUTROS AGENTES ALIMENTARES NAS DOENÇAS MENTAIS

Autores: Paola Bressan e Peter Kramer
Departamento de Psicologia Geral, Universidade de Pádua, Itália

Talvez pelo fato da gastroenterologia, imunologia, toxicologia, nutrição e das ciências agrícolas estarem fora da sua competência e responsabilidade, os psicólogos e psiquiatras geralmente não conseguem perceber o impacto que os alimentos podem ter nas condições de seus pacientes. Aqui tentamos ajudar a corrigir esta situação revisando, em linguagem simples e direta, como grãos de cereais – as fontes alimentares mais abundantes do mundo - podem afetar o comportamento humano e a saúde mental. Apresentamos as implicações para as ciências psicológicas das descobertas de que, para todos nós, o pão (1) torna o intestino mais permeável e pode assim favorecer a migração de partículas alimentares para sítios onde elas não são esperadas, levando o sistema imunológico a atacar ambos, essas partículas e as substâncias relevantes para o cérebro que se assemelham a elas, e (2) liberar compostos semelhantes aos opióides, capazes de causar distúrbios mentais se alcançarem o cérebro. Uma dieta sem grãos, embora difícil de manter (especialmente para aqueles que mais precisam), poderia melhorar a saúde mental de muitos e ser uma cura completa para outros.

INTRODUÇÃO

'Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia (...) mas livra-nos do mal' '
-Mateus 6:11, 13

Há cerca de 12.000 anos atrás, quando a última era do gelo chegou ao fim, a rápida mudança do clima dizimou nossas fontes tradicionais de comida, especialmente as grande caças. Possivelmente em resposta para isso, no crescente fértil do Oriente Médio (aproximadamente as áreas que compõem o Levante e os vales do Tigre e do Eufrates) começamos a praticar a agricultura e a domesticação de animais. No período de alguns milhares de anos ambos tinham iniciado independentemente em pelo menos, quatro continentes diferentes (Murphy, 2007), estabilizando e aumentando a nossa disponibilidade de comida de tal forma que a população humana explodiu. Contudo, a revolução agrícola não só aumentou a disponibilidade de alimentos, mas também mudou radicalmente a sua natureza: produtos de grãos de cereais, os quais estávamos largamente desacostumados, rapidamente tomaram o centro das atenções. Este artigo ilustra a surpreendente relevância dessa mudança da dieta para os neurocientistas, psicólogos e psiquiatras.

Que a associação entre seres humanos e grãos valeu a pena para ambos está além de discussão. Cada parceiro ajudou o outro a reproduzir, multiplicar e, finalmente, conquistar cada palmo da Terra. Cada parceiro co-evoluiu com o outro, adaptando-se a ele. Por exemplo, o trigo tornou-se progressivamente mais curto em resposta à nossa preferência por colheitas mais fáceis e menos vulneráveis ao vento. Ao mesmo tempo, nossos rostos, mandíbulas e dentes progressivamente tornaram-se menores em resposta à textura macia do pão (Larsen, 1995). Assim domesticamos grãos, e os grãos em resposta nos domesticou (Murphy, 2007).

No entanto, a revolução agrícola pode ter causado problemas. Estamos dizendo que, na medida que as dietas à base de grãos substituíram as dietas dos caçadores-coletores, a expectativa de vida e a estatura diminuíram. A mortalidade infantil, as doenças infecciosas, os distúrbios minerais ósseos e a frequência da cárie dentária aumentaram (Cohen, 1987). 

Alguns desses problemas nunca foram totalmente superados. Por exemplo, apesar de um aumento gradual na estatura que começou há 4.000 anos, quando as dietas se tornaram mais variadas novamente, em média ainda estamos cerca de 3 cm mais curtos do que os nossos antepassados pré-agricultura (Murphy, 2007). A co-evolução entre seres humanos e grãos trouxe mudanças genéticas em ambas as partes, mas não tornaram o grão a comida mais adequada para nós do que aquela que consumíamos originalmente.

Uma das primeiras sugestões de que essas circunstâncias tiveram implicações para as ciências psicológicas foi a observação de que, em vários países, as taxas de internação por esquizofrenia durante a Segunda Guerra Mundial caíram em proporção direta à escassez do trigo. Nos Estados Unidos, onde, durante esse mesmo período o consumo de trigo aumentou em vez de diminuir, tais taxas se elevaram (Dohan, 1966a, b). Nas ilhas do Pacífico Sul com um consumo tradicionalmente baixo de trigo, a esquizofrenia aumentou dramaticamente (aproximadamente, de 1 em 30.000 para 1 em 100) quando os produtos de grãos ocidentais foram introduzidos (Dohan et al., 1984).

Atualmente existem provas substanciais de que, dependendo dos genes transportados por mais de um terço de nós e de fatores aparentemente irrelevantes como uma infecção viral anterior, comer pão pode afetar nosso corpo e cérebro. Este artigo revisa as evidências para um amplo leque de leitores em linguagem direta e não-técnica. Nas próximas três seções se apresentam as implicações para a ciência da realidade de que o pão (1) aumenta a permeabilidade do intestino e provavelmente da barreira hemato-encefálica em todos os humanos, (2) desencadeia uma reação imune naqueles de nós que são geneticamente predispostos, e (3) quebra-se, durante a digestão, em fragmentos com atividade opióide. A seção final discute se uma mudança na dieta poderia possivelmente curar pacientes com doença mental.

GRAMAS, GRÃOS E VENENOS

Os grãos são as sementes das gramíneas. As gramíneas podem ou não ter evoluído ao deixar suas sementes serem comidas (Janzen, 1984), mas certamente não o fariam se deixassem ser digeridas em pedaços que fossem incapazes de transmitir os genes dessa planta. As gramas não podem se defender, fugindo ou lutando, e não têm espinhos, não carregam nenhuma casca dura protetora em torno de suas sementes; como a maioria das plantas, no entanto, elas produzem toxinas. Tais plantas criaram um grande variedade de venenos - mais de 50.000 compostos defensivos foram encontrados até agora (Kennedy e Wightman, 2011) - para dissuadir, prejudicar ou matar as criaturas que se alimentam delas. 

Essas criaturas, por sua vez, desenvolveram um arsenal de contramedidas, incluindo mecanismos para detectar (por exemplo, receptores de gosto amargo) e se desintoxicar de tais venenos tanto quanto possível (Hagen et al., 2009).

Compreensivelmente, as proteínas de autodefesa são especialmente concentradas na fração mais preciosa das plantas - as sementes.

Ironicamente, dos três genomas separados que o trigo moderno contém da fertilização cruzada espontânea de três diferentes espécies selvagens (por exemplo, Murphy, 2007), o genoma responsável pelo pão de melhor qualidade está associado às (espécies) mais tóxicas (Kucek et al., 2015). Estas são capazes, pelo menos em roedores, de atravessar o intestino e a barreira sangue-cérebro (Broadwell et al., 1988) e interferir, entre outros (Pusztai et al., 1993), na ação do fator de crescimento dos nervos (Hashimoto e Hagino, 1989). Na massa, muitas destas proteínas, embora altamente resistentes à digestão, são perdidas na água salgada durante a cozedura, por isso não a tornam (indigesta) no prato final (Mamone et al., 2015). No entanto, elas ainda podem ser encontradas na cerveja e no cuscuz pré-cozido (Flodrová et al., 2015) e podem ser inaladas a partir da farinha crua (Walusiak et al., 2004).

As sementes também são equipadas com proteínas destinadas a serem um “alimento pronto” para a futura muda. O kit de proteínas de armazenagem na cevada, centeio e, em particular, no trigo, o glúten (''cola '' em latim), acabou por ter um valor especial para nós. À medida que a massa do pão é amassada, o glúten forma uma rede elástica que aprisiona os gases produzidos pela levedura durante a fermentação; isto permite que a massa cresça e se expanda durante o cozimento. O sucesso espetacular do trigo relativamente à cevada e ao centeio é principalmente pela facilidade com que um pão leve, poroso, e ótimo para mastigar pode ser obtido a partir da sua farinha.

Infelizmente, o glúten provou ser tóxico para uma proporção tal de pessoas, e que, nas últimas décadas, têm sido constantemente aumentada (Rubio-Tapia et al., 2009). De fato, as variedades de trigo que contêm o tipo mais prejudicial de glúten tornaram-se as mais comuns (Van den Broeck et al., 2010). Isto é particularmente preocupante dado que o glúten não é apenas naturalmente presente no pão, no bolo, na massa, na pizza e na cerveja, mas também é - pela sua propriedade de ligação e espessamento - adicionado também a variedade de outros produtos. Uma pesquisa em supermercados australianos encontrou o glúten em quase 2.000 alimentos diferentes, variando dos molhos para carnes processadas a mais de 100 não-alimentos, desde analgésicos até xampus (Atchison et al., 2010).

No entanto, o glúten desencadeia algum tipo de ação logo que aparece no intestino - não apenas em algumas pessoas sensíveis, mas em todos nós.

BURACOS NO INTESTINO

Um estudo post-mortem de 82 pacientes com esquizofrenia encontrou taxas de inflamação do estômago, intestino delgado e do intestino grosso, tão impressionantes como respectivamente 50%, 88% e 92% (Buscaino, 1953; citado em Buscaino, 1978). A associação entre patologias gastrointestinais e transtornos psiquiátricos já havia sido notado há pelo menos 2.000 anos atrás e tem sido confirmada repetidamente (para uma breve revisão ver Severance et al., 2015).

Um intestino doentio pode expor nosso corpo à bactérias nocivas, toxinas e frações de alimentos não digeridos. Em cada um de nós, uma parede intestinal cuja superfície poderia pavimentar um apartamento inteiro (Helander e Fändriks, 2014) enfrenta o desafio de prevenir que isso aconteça, ao mesmo tempo que permite que a água e nutrientes atravessem.

Este feito é realizado através de uma sofisticada barreira, com abertura e fechamento das junções entre as células da parede sendo ajustadas de forma flexível (Bischoff et al., 2014). Fora isso, essa arquitetura poderia servir como uma linha de defesa de emergência contra micróbios patogênicos (Fasano et al., 1997). A parte do intestino que segue imediatamente o estômago, o intestino delgado, é de fato mantido praticamente estéril - as bactérias são removidas  pelos movimentos peristálticos do intestino antes que elas possam se multiplicar (Dixon, 1960). Qualquer presença anormal de micróbios desencadeia a liberação da proteína zonulina, que amplia as junções entre as células para que a água possa infiltrar-se e liberar as bactérias através de amplos movimentos do intestino (El Asmar et al., 2002).

Produzir diarreia é apenas um trabalho excepcional entre os muitos, menos visíveis diariamente que é creditada à zonulina executar. Importante, a regulação da permeabilidade intestinal concede ou veta a passagem de grandes moléculas e células imunes.

Por razões ainda obscuras, no entanto, às vezes esse mecanismo permite que componentes alimentares parcialmente não digeridos que fujam do intestino e (a) alcancem a camada interna da parede intestinal, que hospeda uma grande parte do sistema imunológico, e (b) a corrente sanguínea. Estas substâncias não são esperadas aí e podem desencadear uma reação imunológica mal direcionada (para uma leitura desses detalhes, ver Fasano, 2009). A permeabilidade anormal do intestino é de fato associada com uma ampla gama de distúrbios imunológicos relacionados, e em alguns estudos em animais tem sido demonstrado como precedente, sugerindo a causalidade (por exemplo, Meddings et al., 1999).

Estas doenças incluem artrite, asma, diabetes tipo 1 e esclerose múltipla (Fasano, 2012). Vale ressaltar que o estresse psicológico piora a permeabilidade do tubo digestivo. Falar em público faz isso, com efeitos transitórios (Vanuytsel et al., 2014), e a privação materna precoce também, com efeito de longa duração (demonstrado em ratos: Barreau Et al., 2004). Curiosamente, o estresse psicológico também piora a inflamação intestinal (para uma breve revisão, ver Daulatzai, 2015), agrava as doenças relacionadas com a imunidade (Dhabhar, 2009), e prediz o aparecimento e a gravidade dos transtornos mentais (Kendler Et al., 1999; Carr et al., 2013). Algumas especiarias comuns (Jensen-Jarolim et al., 1998) e componentes alimentares (por exemplo, Bischoff et al., 2014) também modulam a permeabilidade intestinal, aumentando-a (como a frutose, amplamente utilizada para adoçar bebidas comerciais) ou diminuindo-a (como a quercetina flavonóide, encontrada em cebolas e chás). Provavelmente porque é confundido com uma molécula microbiana (Fasano et al., 2015), o glúten estimula a libertação de zonulina e, portanto, apresenta-se de forma proeminente no grupo anterior (Hollon et al., 2015).

A ingestão de um inibidor da zonulina impede que o glúten aumente a permeabilidade intestinal e uma dieta isenta de glúten reduz tanto os níveis de zonulina quanto a permeabilidade intestinal (Fasano, 2011). Em todos nós, a zonulina aumenta a permeabilidade não só da parede intestinal, mas também de outras barreiras não menos interessantes - notadamente a barreira sangue-cérebro (barreira hematoencefálica). Uma toxina que imita a zonulina está atualmente sendo estudada pela sua capacidade de melhorar a entrega ao cérebro de agentes anticancerosos (Karyekar et al., 2003).

ERROS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Depois de aumentar a permeabilidade intestinal e com a sua ajuda, o glúten pode causar problemas se acontecer de atravessar a camada externa do intestino e se tornar o alvo da vigilância imunológica. As duas próximas subseções exploram as consequências desse encontro em nosso corpo e no nosso cérebro.

As muitas formas de sensibilidade ao trigo

Algumas pessoas são abertamente alérgicas ao trigo (daqui em diante, "trigo" cobre todos os grãos contendo glúten). De minutos para horas depois da exposição, estes indivíduos desenvolvem sintomas como erupções cutâneas, dores de cabeça, diarreia ou falta de ar – um exemplo é a asma do padeiro. Essa alergia ao trigo (Inomata, 2009) envolve a parte do nosso sistema imunológico que responde rapidamente contra parasitas, fungos e micro-organismos. Em alguns de nós, contudo, o glúten desencadeia reações mediadas imunologicamente quando os sintomas se desenvolvem gradualmente, semanas ou anos após sua introdução na dieta.

Em cerca de 1 pessoa em cada 100, esta hipersensibilidade é expressa como doença celíaca, definida como uma reação imune crônica contra seu próprio intestino delgado. Ao longo do tempo, essa reação na parede intestinal (que normalmente é coberta por milhões de protuberâncias semelhantes a dedos), reduz sua superfície e, portanto, a capacidade de absorver nutrientes importantes para o corpo e o cérebro.
Se o glúten não for retirado durante a infância, o crescimento de alguns ossos cranianos também são alterados. Como resultado, mais de 80% dos celíacos adultos têm proporções faciais incomuns (Zanchi et al., 2013). Muito típico é uma testa relativamente alta cerca de um terço da face em relação à testa de pessoas saudáveis (Ver, respectivamente, Finizio et al., 2005 e Zanchi et al., 2013).

A maioria das pessoas com doença celíaca não sabe o que elas têm. Em uma amostra de mais de 5.000 estudantes italianos, por exemplo, a proporção de diagnosticados para casos não diagnosticados foi de 1 a 6 (Catassi et al., 1995). Nos idosos, a doença celíaca muitas vezes também não é reconhecida, Com um atraso médio de 17 anos desde o início dos sintomas até o diagnóstico (Gasbarrini et al., 2001). De forma alarmante, os marcadores no sangue da doença quadruplicaram nos Estados Unidos nos últimos 50 anos (Rubio-Tapia et al., 2009) e dobraram na Finlândia nos últimos 20 anos (Lohi et al., 2007). Medições foram tomadas todas de uma vez em amostras de sangue colhidas e congeladas por décadas, daí a recente onda da doença não pode ser devida a uma melhor detecção ou a critérios de diagnóstico mais indulgentes. Os marcadores também aumentam dentro do mesmo grupo de indivíduos ao longo do tempo, mostrando que uma resposta imune ao glúten pode surgir de repente na idade adulta(Catassi et al., 2010).

Algumas pessoas ficam melhores sob uma dieta sem glúten e pioram quando enfrentam o mesmo glúten (mesmo sob condições sob duplo-cego, randomizadas, controladas por placebo: Biesiekierski et al., 2011), embora não satisfazem os critérios de alergia ao trigo ou à doença celíaca. Esta sensibilidade de glúten não celíaca é diagnosticada por exclusão, pois atualmente não há testes laboratoriais para tal. A permeabilidade intestinal dessas pessoas é normal, ao contrário dos celíacos -, mas o glúten faz com que ela aumente tanto quanto nos celíacos (Hollon et al., 2015). Os sintomas surgem horas a dias após a exposição ao glúten e são em grande parte extra intestinais; eles incluem dor de cabeça e eczema, mas também fadiga e “mente embaçada' (Sapone et al., 2012). Outros indivíduos relatam serem sensíveis ao glúten, mas na verdade sofrem de inchaço e dor abdominal pelos carboidratos do trigo (Biesiekierski et al., 2013).

Muitos estudos sobre a sensibilidade ao glúten não celíaca não tem controlado para a presença destes carboidratos; eles também podem ser encontrados em vários vegetais, no entanto, e se seus efeitos podem ir além do mero desconforto intestinal é discutível (veja pontos de vista antagônicos, em Fasano et al., 2015; De Giorgio et al.,2016).
Mais de 95% dos celíacos carregam uma variante específica de um gene que é responsável pela regulação do sistema imunológico, e cerca de 5% carregam uma outra (Diosdado et al., 2005). Crucialmente, ambos os genes que estão implicados na capacidade do sistema imunológico distinguir “o eu” do “não-eu”. Esses genes também estão presentes entre 30% e 40% da população em geral, e entretanto nem todos desenvolvem doença celíaca; mesmo gêmeos monozigóticos sob a mesma dieta podem ser discordantes para isso (Greco et al., 2002). Outros fatores devem, portanto, estar envolvidos - possivelmente, gatilhos ambientais comuns. Estes têm sido demonstrados variarem em um bebê (Malnick et al., 1998) por contrair um vírus ou um parasita.
Em um estudo, por exemplo, quase 90% dos celíacos, contra 17% dos controles, mostraram evidência de infecção prévia com adenovírus (Kagnoff et ai., 1987). Uma vez que uma proteína codificada por este vírus é estruturalmente semelhante ao glúten, é plausível que em indivíduos predispostos, a reação inicial ao vírus pode estender para glúten e, em seguida, para algumas proteínas em nosso próprio intestino que se assemelham a ambos - um processo chamado mimetismo molecular (ver Kasarda, 1997).

TRIGO E A MENTE

Infelizmente, o glúten se assemelha a algumas substâncias relevantes para o cérebro também. In vitro, os anticorpos contra o glúten removidos do sangue humano atacam proteínas cerebelares e componentes da bainha de mielina que isola os nervos (Vojdani et al., 2014). Elas também atacam uma enzima envolvida na produção de GABA – nosso neurotransmissor inibidor primário, cuja desregulação é implicada tanto na ansiedade quanto na depressão. No sangue de doadores, anticorpos contra o trigo ou leite e anticorpos contra estas substâncias relevantes para o cérebro tem tido simultaneamente elevações, consistente com a presença de uma reação cruzada (Vojdani et al., 2014). A maioria de nós escapamos disso apenas porque nosso intestino e as barreiras sangue-cérebro estão intactas – e apenas enquanto permanecerem assim. Anticorpos contra o cérebro, desencadeados pelo glúten, podem causar graves disfunções neurológicas seja ou não em um celíaco (Hadjivassiliou et al., 2010).
Anticorpos similares também foram encontrados no sangue de um subgrupo de pacientes com esquizofrenia; alguns deles carregavam no sangue, marcadores de doença celíaca, mas outros não (Cascella et al., 2013).
Se o trigo pode afetar o cérebro, não deve ser surpresa que possa também afetar a saúde mental (para uma revisão, veja Jackson Et al., 2012a). Estudos epidemiológicos excepcionalmente amplos,
envolvendo muitos milhares de pacientes, descobriram que a doença celíaca está associada a um risco aumentado de depressão (Ludvigsson et al., 2007b) e psicose (Ludvigsson et al., 2007a). Entre os indivíduos com parede intestinal normal, que carregam marcadores de sangue da doença celíaca existe três vezes mais probabilidade de desenvolverem autismo no futuro, e cinco vezes mais propensos a já terem sido diagnosticados assim (Ludvigsson et al., 2013).

Os anticorpos contra o glúten foram encontrados muito mais frequentemente em pacientes com esquizofrenia e autismo do que na população ou em controles, um resultado que foi replicado repetidamente (Jackson et al., 2012a). Alguns números são impressionantes, como uma presença relatada de anticorpos contra glúten em 87% das crianças autistas não medicadas versus 1% de crianças normais (Cade Et al., 2000).

Tendências microbianas

O principal gene que predispõe à doença celíaca também modifica a composição dos micróbios no intestino; um achado notável, porque sabemos agora que esses micróbios (coletivamente conhecidos como microbioma - ou microbiota - intestinal) são diretamente capazes de moldar nosso comportamento (Dinan et al., 2015, Kramer e Bressan, 2015). Portadores e não-portadores do gene produzem fezes com significativas diferenças nas bactérias já em 1 mês de idade (Olivares et al., 2015). Entre outras coisas, os portadores hospedam mais clostrídios; clostridia” tendem a ser sobre-representados nos intestinos de crianças com autismo (Louis, 2012), e é sugestivo associar esses achados à evidência epidemiológica, discutida anteriormente, de um maior risco de autismo em celíacos.
Os micróbios intestinais parecem desempenhar um papel possivelmente de quando (e possivelmente se) os portadores desenvolverão a doença celíaca. Uma vez que a maturação do nosso sistema imunológico é co-impulsionada pela nossa comunidade microbiana (Kranich et al., 2011), é crucial que esta última se desenvolva normalmente - o que poderia ser posto em risco alimentando bebês com alimentos inadequados e/ou em um momento inadequado. O microbioma amadurece enormemente nos primeiros 12 meses de vida, portanto, pode ser importante evitar glúten durante este período (Fasano, 2009). De fato, um estudo duplo-cego sobre portadores jovens do gene celíaco comparou a relevância da introdução precoce (6 meses de idade) versus tardia (12 meses) do glúten em suas dietas. A introdução precoce provocou prontamente a perda de tolerância ao glúten e desencadeou o desenvolvimento da auto-imunidade, sem dúvida pela mudança na composição da microbiota ainda imatura (Sellitto et al., 2012). De fato, quer ou não que os ratinhos transgênicos com o gene celíaco expressem a doença tem sido recentemente demonstrado inteiramente determinado por seus intestinos. Comer glúten começa a doença celíaca nos camundongos que haviam estado sem micróbios intestinais, ou cuja microbiota incluía patógenos ou foram perturbados por antibióticos logo após o nascimento - mas não nos ratos cujo microbioma era saudável (Galipeau et al., 2015).

Alterações na microbiota intestinal devido a uma exposição súbita e maciça de produtos de trigo também têm sido hipotetizado mediar a bem conhecida relação entre o status de imigrante e a esquizofrenia (Severance et al., 2014). Isso pode ser, por exemplo, o caso de pessoas que se deslocam para a Europa a partir da África Subsaariana, onde os grãos não incluem trigo e são tradicionalmente decompostos através de fermentação antes de sere comidos. Dessa forma é, portanto, totalmente possível que o pão possa ser prejudicial à saúde mental não só diretamente, através de algumas das proteínas que contém; mas como também indiretamente, através de seus efeitos sobre os nossos micróbios intestinais. A relação causal entre comer pão e abrigar certos micróbios poderia realmente ir para ambos os dois modos, como sugerido em recentes evidências de que nosso desejo por determinados alimentos pode ser por causa das bactérias intestinais que se alimentam deles. O pão é no final decomposto até glicose, e muitos micróbios prosperam com a glicose. Quando não chega em quantia suficiente, os micróbios podem ser capazes de manipular seu hospedeiro, induzindo mau humor e outras sensações - aliviadas apenas ao se comer o material certo (Alcock et al., 2014).


CONTINUA NA PARTE II AQUI
LINK DO ORIGINAL AQUI

REFERÊNCIAS NA SEGUNDA PARTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário