sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Café da manhã placebo

Café da manhã placebo

Abrindo a nova série, em 2018, de postagens curtas (e, se possível, mais frequentes).

PERGUNTA: Você acha que CRENÇAS podem influenciar desempenho esportivo? Quando há consenso social sobre alguma coisa, geram-se crenças muito arraigadas. Por exemplo, a ideia de que você PRECISA consumir muitos carboidratos antes de uma atividade física para render melhor é um desses verdadeiros pilares do senso comum.

Vejamos esse estudo:

“A percepção de ter ingerido de café da manhã melhora o desempenho do ciclismo de alta intensidade”

No estudo acima, os autores desenvolveram uma forma incrivelmente engenhosa de testar o poder da auto-sugestão.

Como dissemos, há uma percepção oriunda do senso comum de que você irá render melhor na atividade física se estiver alimentado com glicose (pois terá mais “energia”, muito embora a gordura e o glicogênio que você já carrega no corpo sirvam exatamente para isso, fornecer energia).

Os autores recrutaram 13 ciclistas bem treinados, e os separaram em 3 grupos, que consumiram como café da manhã:
  • Água;
  • Um shake com 2 gramas de carboidratos por quilo de peso;
  • Um shake com o mesmo gosto, mas SEM nenhum valor nutricional (zero calorias) - placebo

Depois disso, os atletas deveriam completar um teste que consistia em executar um esforço predeterminado no menor tempo possível.

Como era esperado, o grupo que consumiu o shake com glicose teve um desempenho físico melhor do que o grupo que consumiu água. O interessante é ver o que ocorreu com o grupo que consumiu placebo → seu tempo foi MELHOR do que o dos outros!

Abaixo, o gráfico produzido por YLMSSportScience


Em vermelho, o tempo (em segundos) para completar a tarefa por quem consumiu carboidratos antes; em verde, o tempo de quem consumiu o placebo (estava em jejum MAS NÃO SABIA); e em azul o tempo dispendido por quem bebeu apenas água (estava em jejum e sabia disso).

Qual a importância desse estudo?

Na verdade, pouco me importa se a pessoa prefere ou não comer antes da atividade. Além disso esse estudo não prova que não possa haver vantagens de suplementar glicose em outras circunstâncias esportivas - esse não é o meu interesse nem o foco desse blog. A importância do estudo é que teríamos sido induzidos ao erro se não houvesse um braço placebo. Pense: se houvesse apenas o grupo que bebeu água e outro que consumiu glicose, nossa conclusão ERRADA seria a de que consumir glicose no café da manhã melhora o desempenho esportivo (nesta modalidade). No entanto, o estudo demonstra de forma simples e elegante que trata-se apenas de uma efeito PLACEBO, isto é, a sua CRENÇA (que advém do senso comum) de que é necessário consumir algo com glicose para poder render na atividade física acaba produzindo, sem querer, o resultado desejado. Uma verdadeira profecia auto-realizada. Da mesma forma, eu tenho convicção de que o oposto ocorre também: o EFEITO NOCEBO. Todo mundo lhe diz que você passará mal caso não consuma banana com aveia antes do treino. Aí, você não consome e passa mal --> profecia autorrealizada.

Quer ver um exemplo prático disso? O lamentável documentário da BBC (já discutido aqui e aqui) no qual dois médicos gêmeos fazem um teste físico, e o que comeu carboidratos teve um desempenho muito melhor. O que isso prova? Nada. Fica claro desde o início do (péssimo) programa que era nisso que eles acreditavam desde o início --> profecia autorealizada.

Moral da história: as crenças das pessoas influenciam os desfechos medidos nos estudos. Estudo observacional ou mesmo experimentos que não utilizem um placebo adequado podem produzir conclusões completamente erradas, sempre no sentido de reforçar o senso comum.

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