Censura na Lipidolândia
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.
por Alan Cassels
Quando uma política te condenar, comece a inventar histórias – histórias tão fabulosas, tão marcantes, tão envolventes que farão o rei esquecer-se da tal política.-- Karl Rove (um dos conselheiros do ex-presidente americano George W. Bush)
Bem-vindo à Lipidolândia, governada por nossos velhos amigos Escândalo,
Enganação e Fraude. Depois do mês passado, é hora de adicionar Censura à
lista.
Se você acha que esse assunto não te afeta, pense novamente. com 1 em
cada 5 canadenses engolindo uma dose diária de droga redutora de
colesterol, ou estatina – o que chega a 50% dos canadenses com mais de
65 anos – e todos nós consumindo mídia sobre medicamentos, é uma questão
vital – muito além das prescrições maciças de drogas como Lipitor,
Zocor ou Crestor.
Muitas das viagens aos absurdos da Lipidolândia na década passada
produziram histórias de intriga e escândalo, e ainda assim eu tenho que
admitir que as coisas nunca estiveram tão estranhas. O fanaticismo das
estatinas parece ter nublado tanto o pensamento da medicina, que agora
mesmo alguns dos mais aclamados chavões da medicina – por exemplo, "Em
primeiro lugar vamos tentar não matar o paciente" – parecem velhos e
ultrapassados. O lema "aquele que morrer com o colesterol mais baixo,
vence", basicamente captura a imensa arrogância sobre o uso de químicos
para afetar uma substância essencial à nossa saúde.
Duas histórias do Reino Unido e Austrália no mês passado confirmaram que
os argumentos acerca das estatinas – seus benefícios e malefícios –
tornaram-se completamente desenraizados da realidade e ameaçam afundar
num mar de propaganda.
Há 3 pontos irrefutáveis que se pode sumarizar a partir da pesquisa sobre a efetividade e segurança das estatinas:
- estatinas "funcionam" primariamente para um pequeno subconjunto de homens que têm doença cardíaca
- a maioria das pessoas com prescrição de estatinas provavelmente não vai ver quaisquer benefícios práticos
- todos os usuários de estatinas expõem a si mesmos ao risco de efeitos colaterais
Quando eu digo "funcionam", não quero dizer "baixar o seu colesterol".
Quero dizer evitar um infarto ou derrame. Os únicos que se beneficiam
das drogas são homens que têm doença cardíaca ou que já tiveram um
infarto anteriormente. Eles podem ser um risco 4-5% menor de um infarto
ou derrame ao longo de 5 anos, se tomarem estatinas diariamente. Há uma
falta de evidência mostrando que mulheres, idosos e homens "em baixo
risco" (ou seja, a maioria de nós) vão beneficiar-se das estatinas. O
que é discutível é a taxa com a qual os usuários de estatinas são
prejudicados. Os grandes estudos financiados pela indústria mostram um
nível muito pequeno de efeitos adversos, e ainda assim outros estudos de
casos ou estudos observacionais mostram que talvez até 1 em cada 5
usuários de estatinas vão ter efeitos colaterais.
No ano passado, um dos mais prestigiosos jornais médicos do mundo, o
Jornal Britânico de Medicina (BMJ) entrou na controvérsia ao publicar um
relatório que dizia que não há benefício em tomar estatinas, para
pessoas que têm menos de 20% de risco de infarto nos próximos 10 anos.
Ele também dizia que, a partir de estudos observacionais das estatinas,
algo entre 18 e 20% dos pacientes não toleram a droga devido aos efeitos
colaterais. Tais efeitos podem incluir fadiga, dor muscular,
desconforto estomacal, perda de memória de curto prazo, disfunção
erétil, entre outras.
Um grupo grande e influente no Reino Unido – a Colaboração Trialista
para Tratamento do Colesterol (CTT) – vive marinada em milhões de libras
de dinheiro das farmacêuticas, e e emite uma das mais escandalosas
propagandas pró-estatinas do planeta. O chefe do CTT, Sir Rory Collins
de Oxford, ficou obviamente ultrajado pelo texto do BMJ e pelas
entrevistas na mídia, incluindo no jornal The Guardian, e acusou o
relatório do BMJ de "matar pessoas". Ele então prosseguiu para atingir a
editora do BMJ, Fiona Godlee, dizendo que o BMJ entendeu errado e que
os efeitos colaterais não atingiam 18-20%, e sim menos. O BMJ publicou
uma correção, indicando que o número real seria de apenas "9% da
população do estudo tendo descontinuado a terapia com estatinas, como
consequência de eventos ligados ao medicamento, ao invés dos 18%
citados".
Fim da história, certo ? Bem, não. Parece que a correção do BMJ não
satisfez exatamente as pessoas do CTT, e Collins a seguir pediu que o
BMJ retirasse o artigo – dizendo que pacientes seriam afastados das suas
valiosas estatinas por medo, a menos que o BMJ voltasse atrás.
Isso é intimidação médico-acadêmica do tipo mais fino. Alguns
observadores dizem que o fiasco inteiro é uma cortina de fumaça criada
pelos fabricantes de estatinas e seus agentes, conhecidos por esconder
os dados de eventos adversos enquanto insistem que as drogas são seguras
o bastante para serem adicionadas à água potável. Godlee enviou a
questão para um grupo independente, mas a coisa inteira fede de longe. O
pior cheiro é o da podridão da censura com a qual os fabricantes querem
proteger a imagem das drogas redutoras de colesterol, e de como fazem
isso atacando a integridade e independência de um jornal médico. Fiquem
ligados no caso.
A segunda história da Lipidolândia diz respeito a um relatório
investigativo produzido pela rede de TV australiana ABC. O programa
investigativo da jornalista Maryanne Demasi, dividido em duas partes ("O
coração do problema") integrou a série Catalyst. Na parte 1, examina os
efeitos das dietas sobre a saúde, e na parte 2, os efeitos das
estatinas. Procure no YouTube por "Heart of the matter".
Essa série em 2 partes foi dinamite – provavelmente um dos programas
mais fortes que você jamais vai ver sobre estatinas em qualquer canto.
Demasi entrevistou uma ampla gama de pesquisadores e médicos, incluindo
alguns defensores desesperados da hipótese das estatinas e proeminentes
pesquisadores sem conflitos das estatinas, os doutores John Abramson,
Rita Redberg e Beatrice Golomb. Uffe Ravnskov, um proeminente
pesquisador dinamarquês do colesterol, tem coberto as interpretações
errôneas e os exageros a respeito do colesterol por décadas. Ele disse
"até onde sei, esse é o primeiro programa de TV no mundo ocidental no
qual os críticos da campanha do colesterol tiveram permissão para
mostrar sua visão com detalhes".
Ao invés de congratulações a Demasi e seu time, a Fundação Cardiológica
Australiana e as companhias farmacêuticas imediatamente partiram para o
ataque, forçando a ABC a reunir um grupo de "Relações de audiência e
consumidores" para examinar os comentários críticos. O julgamento de 49
páginas do programa Catalyst diz que em geral ele fez um trabalho muito
equilibrado, e 10 entre 11 pontos críticos estavam livres de tendências.
Aparentemente, uma parte ofendeu as sensibilidades dos revisores co ma
conclusão: "o programa poderia ter feito um trabalho melhor instigando a
perspectiva geral, para deixar a audiência melhor informada". O que
diabos isso quer dizer ? Não temos certeza.
O diretor da Fundação Cardiológica Australiana, uma organização que vive
de auxílios das companhias farmacêuticas, veio defender as estatinas
repetindo a ladainha de sempre: "Estatinas reduzem o risco de morte ou
eventos cardiovasculares em populações sem histórico de doença
cardiovascular, indepentdente da idade e gênero, e numa gama ampla de
níveis de colesterol".
Apesar de o programa mostrar evidência vital dos efeitos pequenos das
estatinas para a maioria das pessoas, e da falta de qualquer benefício
que poupe a vida de mulheres ou daqueles sem doença cardíaca, bem como
de um número indeterminado que sofre de efeitos adversos da droga,
adivinhe o que aconteceu ? A ABC tirou a série "Heart of the matter" do
ar. Os queixos caíram ao redor do mundo.
No fim das contas, eu tenho medo que essas táticas de intimidação não
afetem apenas os oficiais da ABC ou do BMJ; eles também afetam todos os
jornalistas mundo afora, que esperamos que exponham esses tipos de
controvérsias de maneira que os consumidores possam tomar decisões
informadas sobre a própria saúde. Esses dois episódios vão levantar uma
nova era de auto-censura à media que problemas futuros com as
farmacêuticas forem evitados por jornalistas sérios ou obstruídos ou
manipulados pelos fabricantes e seus bajuladores ?
Eu deixo a última palavra ao cardiologista e pesquisador francês, Michel
de Lorgeril. Em seu livro, "Colesterol e estatinas: ciência falsa e
medicina ruim", ele pergunta: "Por que desafiar a teoria do colesterol
dispara reações tão extremas ?" E mais ainda, "Por que a mída tem medo
de revelar o maior escândalo médico dos nossos tempos ?" Tudo o que
posso acrescentar é: "Sim, por que ?".
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