Poderia a resistência a insulina ser boa???
UMA RESISTÊNCIA MAL COMPREENDIDA
Todas as expressões possíveis de
qualquer unidade biológica no mundo natural, sejam elas variáveis de
comportamento, fisiologia e mesmo de morfologia, foram projetadas como
possíveis, se as relações com o meio ambiente assim impuserem aos
potenciais genéticos pré-estabelecidos.
José Carlos Brasil Peixoto
Na linha de textos didáticos, o artigo a seguir é bem interessante. A
partir de uma abordagem incomum o autor nos leva a uma compreensão
bastante ilustrativa da diabete tipo II, seus mecanismos
fisio-patológicos e sugere abordagens ancoradas numa lógica simples e
óbvia.
Esse tipo de raciocínio está perfeitamente em sintonia como uma forma de
refletir sobre as questões das enfermidades na linha das crises
adaptativas, nas opções triviais do corpo humano reagir, em cima de
prerrogativas "pré-instaladas" em seu hardware. Não se trata de um mal funcionando inesperado. É algo que foi planejado acontecer. E para muitos acontece!
No livro Apague A Luz, T.S. Willey já citava um aspecto sobre a
resistência insulínica como uma resposta efêmera de emergência, pois ao
fazer a glicose no sangue aumentar se poderia reduzir a possibilidade do
sangue congelar em situações (acidentais) de extremo frio, lembrando
que a doçura é um impeditivo ao congelamento da água, pelo menos por um
tempo (imaginando cair num rio gélido). Não tenho certeza se ela fez
alguma referência bibliográfica específica. Mas ela projeta suas ideias
no sentido da compreensão de aspectos fisiológicos embarcados e pouco
compreendidos.
Vamos então ao texto:
PORQUE A RESISTÊNCIA À INSULINA FOI PLANEJADA PARA SER BOA
A resistência à insulina é boa?
(Título original: Insulin Resistance is Good? – T2D 7)
Autor Jason Fung do blog: Intensive Dietary Management
Jason Fung, MD |
Todo mundo diz que a resistência à insulina é ruim. Muito ruim.
É a causa de diabetes tipo 2 (DM2) e da síndrome metabólica, não é? Então, se é
tão ruim, por que todos nós a desenvolvemos em primeiro lugar? Qual é a causa primária?
Meu amigo Dr. Gary Fettke da Tasmânia escreveu um livro esclarecedor chamado de
"Inversão", onde ele descreve como você pode aprender um monte ao
olhar para as coisas sob outra perspectiva. Inverter (virar de cabeça para
baixo) o seu ponto de vista, e perceber como os seus horizontes são imensamente
ampliados. Então, vamos examinar porque desenvolvemos a resistência à insulina.
Por que será bom?
Análise das
Causalidades Primárias
Qual é a causa raiz da resistência à insulina? Algumas
pessoas dizem que a inflamação ou estresse oxidativo ou radicais livres provocam
a resistência à insulina. Essas são respostas dadas prontamente. A inflamação é
uma resposta não específica do organismo à uma lesão. Mas o que causa a lesão
no início de tudo? Esse é o problema real. A inflamação é a única resposta do
corpo para qualquer evento que promova uma lesão.
Pense nisso desta maneira. Suponha que somos cirurgiões no
campo de batalha. Depois de décadas no trabalho, nós decidimos que: sangue é ruim. Afinal, cada vez que
vemos sangue, coisas ruins estão acontecendo. Quando não vemos sangue, coisas
ruins não estão acontecendo. Deve ser porque (ver) o sangue que é perigoso.
Então, decidimos que o sangue é o que está matando as pessoas, e nós inventamos
uma máquina para sugar todo o sangue das pessoas. Genial! O problema, óbvio, é O
QUE está causando a hemorragia, ao invés do próprio sangue. Procure a causa primária.
O sangramento é somente a resposta, não a causa. O sangramento é um marcador
para a doença. Assim é a inflamação.
Algo causa o sangramento, a resposta não específica do
organismo. Algo causa inflamação, a resposta não específica do organismo. Tiros
causam hemorragias, facadas causam sangramento, e estilhaços provocam
hemorragias. Essas são causas. Você levou um tiro. Você sangra. Mas o problema
é a arma de fogo, não a hemorragia. O mesmo aplica-se à inflamação.
O que está causando a lesão (a raiz) também está estimulando
a inflamação (a resposta não específica à lesão). A inflamação é simplesmente o
marcador para a doença. Então, as pessoas dizem que as doenças
cardiovasculares, diabetes, doenças neurodegenerativas, obesidade e câncer
envolvem inflamação crônica. Mas a inflamação não é causadora da doença, que é
apenas um marcador da mesma.
Se a inflamação fosse, na verdade, a causa principal das
doenças do coração, por exemplo, medicamentos anti-inflamatórios, (prednisona,
ibuprofeno, AINEs – anti-inflamatórios não esteroides) seriam eficazes na
redução de doenças cardíacas, ou obesidade, ou câncer. Mas eles não são. Sempre
que as pessoas falam sobre a inflamação ser a causa da doença, eles só espalhando
boatos em torno da última palavra da moda.
Isto não quer dizer que a inflamação (ou sangramento) não seja
útil como um marcador da doença. Se o sangramento para como consequência a um
tratamento (um torniquete) é altamente provável que esse tratamento seja eficiente.
Mas não é eficaz, porque o sangramento parou. Foi eficaz e o sangramento parou
(o que é foi marcador para a eficácia). Da mesma forma para inflamação e
diabetes tipo 2, como escrevi em artigos anteriores, a insulinoterapia não
diminui a inflamação, o que marca esse procedimento provavelmente como um
tratamento (in)eficaz no cômputo geral.
O mesmo vale para o estresse oxidativo (ou radicais livres).
Diga-me o que está causando o estresse oxidativo? É por isso que a terapia
antioxidante é tão surpreendentemente ineficaz. Assim, a vitamina C, E, N-acetilcisteína
ou outras terapias antioxidantes nunca funcionam sempre que eles são testados
rigorosamente. Como o estresse oxidativo é apenas a resposta (como inflamação)
para qualquer que seja o processo da doença subjacente que realmente acontece.
Se alguém fica falando e falando sobre o estresse oxidativo (ou radicais livres
e inflamação, ou microbiomas intestinais ruins) como a causa da doença X, corra,
para outra direção. "A resistência à insulina é causada pela
inflamação" é como "ferimentos de bala são causados pela
hemorragia".
Resistência à
insulina
Então, voltando para a resistência à insulina. Por que o
corpo a desenvolve com tanta frequência (cerca de 50% da população americana)?
Isso simplesmente não pode ser mal-adaptativo. Nossos corpos não foram
projetados para falhar, uma vez que já tem persistido por vários milênios antes
da epidemia diabética moderna. A resistência à insulina (RI) tem que servir para
alguma função protetora, uma vez que é tão comum. E talvez esta RI seja
realmente protetora. A regulação da sensibilidade à insulina é parte da
resposta fisiológica normal - ela pode aumentar ou reduzir, dependendo de muitos
fatores, incluindo outros hormônios ou a disponibilidade de nutrientes (por
exemplo, na gravidez.). Então, como a RI pode ser protetora?
Considere isto. O excesso de glicose no sangue é ruim para
nós (açúcares no sangue). Se este nível elevado de glicose é tóxico no sangue,
porque não seria também ser tóxico ao corpo, também? Não deveríamos nos livrar
dos níveis tóxicos de glucose em vez de simplesmente empurrá-lo do sangue para
os tecidos do corpo? Afinal de contas, a insulina realmente não se livra da
glicose. Ele empurra o excesso de glicose para fora do sangue e a força em direção
ao corpo. Para algum lugar. Para qualquer lugar. Olhos. Rins. Nervos. Coração.
Imagine que você tem muito lixo em sua casa. Mas você gosta
de manter sua cadeira bonita e arrumada, e fica movendo tudo para outros lugares.
Em vez de realmente jogar o lixo para fora de casa, você simplesmente o transfere
ao redor na mesma casa. Não é uma boa ideia. Em relação à glicose, em vez de
reduzir a quantidade total de glicose de todo o corpo, apenas ficamos a move-la
a partir do sangue para o organismo em geral.
Assim, se este teor elevado de glicose é tóxico, em consequência,
a resposta natural do tecido (corpo) é de proteger-se contra esta carga
excessiva de glicose. Suponha que você vive em uma rua de casas em
DiabetesVille (cada casa é uma célula do corpo). Todo mundo é amigo e,
normalmente, deixa a porta aberta (tal como uma célula está aberta à glicose no
estado de sensibilidade à insulina). Um caminhão cheio de lixo tóxico (glucose)
vem descendo a rua. E o lixeiro (Insulina) realmente quer se livrar desse xerume.
Então, cada vez que vê uma porta aberta, ele joga para dentro da porta aberta
um pouco desse resíduo tóxico (glicose).
Depois de alguns dias assim, o que você faria? Você iria trancar
sua “m.....” de porta, é o que você faz! Você diria: "Eu não quero que
esta lama tóxica!" Isso é a resistência à insulina, baby! Você quer tornar
realmente difícil enfiar esse material tóxico na sua casa. Isso não é uma coisa
ruim, é uma coisa boa. A resistência à insulina está tentando proteger a célula
dos níveis tóxicos de glicose que a insulina está tentando empurrar “porta
adentro”.
E do que a resistência à insulina nos protege? O próprio
nome já dá a resposta. Resistência à
insulina. É uma reação contra o excesso de insulina. Ela está nos
protegendo do excesso de insulina. Em outras palavras, como já escrevi em
artigo anterior, a insulina provoca resistência à insulina. Mas a causa primária
aqui é a insulina, não a resistência à insulina. Os tecidos (coração, nervos,
rins, olhos) são todos ocupados aumentando a sua resistência para se proteger da
insulina que está tentando empurrar uma quantidade de glicose tóxica para dentro
de sua casa (células).
Então chamamos o especialista Dr. Endócrino. Dr. Endo decide
que esse xerume é realmente tóxico, e devemos retirá-lo de fora das ruas
imediatamente. Existem algumas opções - como a redução da produção de glicose
tóxica (dietas Low Carb) ou queimar a glicose tóxica (jejum). Mas em vez disso,
ele decide que ele vai contratar mais lixeiros (a insulina) para enfiar essa
glicose tóxica para as casas. Pelo menos, logo em seguida, o Dr. Endo não será
capaz de vê-la mais. Então o Dr. Endo pode fingir que está fazendo um grande
trabalho. “Veja! As ruas são agradáveis e limpas”. Mas toda a glicose tóxica foi
para (dentro) das casas (células/tecidos).
E o que acontece ao longo do tempo? Bem, todos os tecidos do
corpo começam a deteriorar. Estamos inadvertidamente 'superando' a
resistência à insulina que o tecido desenvolveu para se proteger. Em vez de
mirar para a insulina, e reduzir a quantidade total de glicose que teríamos que
lidar, estamos aumentando a maneira de como se livrar dela. Assim, ao
prescrever montes de insulina para os pacientes, não estamos fazendo as coisas
melhorarem, nós estamos tornando-as pior!
(Aviso - Discussão Técnica a frente - sinta-se livre para
pular). Normalmente, existe uma relação inversa entre a glucose do sangue e os
ácidos graxos livres (FFA). Em jejum, a glicose é baixa e os FFA altos. O corpo
está queimando gordura para obter energia. Quando você come, a glicose sobe, a insulina sobe, e a lipólise (aproveitamento
da gordura) é inibida e os níveis de FFA caem.
Mas, na diabetes tipo 2, os níveis de insulina estão
elevados. A glicose é alta. Mas por causa da excessiva IR, os FFA também estão
elevados. Então, os tecidos do corpo estão agora em risco de receber tanto excesso
de glicose como de gordura, o que agora faz com que aconteça o stresse
oxidativo e a resposta inflamatória. Mas o fator incitador aqui, é a glicose e
insulina em excesso. (Veja foto acima bastante para explicação gráfica). O
excesso de glicose para a mitocôndria sobrecarrega a cadeia de transporte de
elétrons (também conhecida por cadeia respiratória ou fosforilação oxidativa) e
resulta em excessiva produção de ATP, bem como de Espécies Reativas de Oxigênio
(comumente chamados de radicais livres, especialmente o superóxido O2-) - tudo isso causando estresse oxidativo.
A glicose metabolizada pelas vias de anaplerosis produzem Acetilcoenzima-A
(AcCoA) e Malonil-CoA (MalCoA) que se transformam em substrato para a síntese
de colesterol e ácidos graxos. A MalCoA inibe a Acil-Coenzima-A (Fatty Acyl
Coenzima-A ou FACoA) resultando em
esteatose, ou a produção e deposição anormal desta gordura no fígado.
OK, paramos com essa fala técnica. Voltamos. Assim, no
fígado, insulina em excesso produz o fígado gordo. Nós podemos facilmente
demonstrar isso em seres humanos. Em um estudo, 16 sujeitos de teste foram
superalimentados com um extra de 1000 calorias em lanches açucarados por dia. Eles
se consistiam de uma lata de Pepsi, 30 ml de suco de frutas e um saco de doces.
Após 3 semanas, houve um aumento de apenas 2% no peso corporal total. No
entanto, houve um aumento desproporcional de 27% em gordura no fígado, devido à
Lipogênese DeNovo.
Em outras palavras, a insulina está dirigindo muito deste
excesso de glicose ao fígado e o que está sendo transformado em gordura. Parte
dessa gordura pode ser exportado para fora do fígado para outros tecidos, como
músculo e pâncreas, o que lhe oferece o 'pâncreas gordo'.
Nas células musculares, temos depósitos de gordura entre as
fibras dos músculos. Você poderia chamar isso de 'músculo gordo'. Tecnicamente,
isso é chamado de acúmulo de lipídios intramiocitário. Muitos pensam que isso promova
a resistência à insulina, mas é mais provável que seja o resultado dos excessos
de glicose e insulina. O acúmulo de gordura entre as fibras musculares (onde
não deve haver nenhuma gordura), em bovinos, é um aspecto delicioso.
Os pecuaristas, é claro, sabem exatamente como desenvolver
esse “marmoreio” nas vacas. O determinante de mais importância é o tipo de
alimentação. As vacas são ruminantes, o que significa que eles normalmente
comem grama. No entanto, através de uma alimentação de alta energia, uma dieta pesada
em cereais (grãos), os fazendeiros podem aumentar a taxa de crescimento das
vacas, bem como aumentar esse aspecto marmoreado.
Veja (na foto) se você pode perceber a diferença entre a carne
bem marmorizada e a carne magra. O gado alimentado com capim se desenvolve sem
marmoreio, o que dá ao bife muito de seu sabor. Por esta razão, muitas das
vacas alimentadas com capim (vacas de pasto) são "finalizadas" com a
alimentação a base de milho, a fim de desenvolver a gordura intramuscular. (Graças)
à insulina e a glicose. Nenhum segredo. Isso funciona também em humanos.
Você pode ver o mesmo tipo de depósitos de gordura nas
células do músculo do coração e isso pode contribuir para a insuficiência
cardíaca congestiva. 'Coração gorduroso'.
Um novo paradigma
Então a inversão nos obriga a ver DM2 a partir de uma nova
perspectiva. O agente tóxico aqui é o excesso de glicose, e seu co-conspirador,
insulina. Movendo a glicose tóxica do sangue forçando-a para o interior do
corpo não tem nenhum benefício líquido, conforme tem sido amplamente
demonstrado por vários estudos randomizados de longo prazo - ACCORD, ADVANCE,
VADT, e ORIGIN.
Em vez disso, a resistência à insulina se desenvolve
precisamente porque é um protetor dos tecidos contra o sangue que está tentando
empurrar toda a sua carga tóxica para as suas células. É por isso que o
desenvolvimento da resistência à insulina é universal. É uma coisa boa, não um
mal. Dando insulina exógena para superar esta IR é realmente prejudicial.
Assim, o problema não é a IR no final das contas. Em vez disso, que se procure a
causa raiz - o excesso de glicose e excesso de insulina. Se distancie disso, e
a DM2 vai embora.
Portanto, há bons tratamentos para a diabetes tipo 2, e há
os maus. Os maus superam a resistência à insulina do tecido que existe
justamente para protege-los. Entre esses estão a insulina e as sulfonilureias.
Os bons tratamentos se livram da glicose para fora do corpo. Você pode fazer
isso, impedindo-a de que entrar no organismo, em primeiro lugar (dietas LCHF,
acarbose), ou queimá-la (jejum) ou urinar para fora (inibidores SGLT-2). Isso
explica o poder desta nova classe de medicamentos em termos de proteção
cardíaca.
A resistência à insulina é ruim? Não mesmo. É boa. A
resistência à insulina não é a causa raiz. É a reação natural, a proteção para
a causa raiz - os altos níveis de insulina. É a insulina, estúpido!
Uma atualização – em 04 de dezembro:
Qual é a implicação prática? Pense nisso desta maneira. Se a
sua casa está cheia de lixo, você pode fazer 2 coisas. Pare de colocar o lixo para
dentro (LCHF). Ou você pode começar a jogar o lixo para fora (jejum). Seria
mais rápido se jogando lixo para fora e jejuando (LCHF + JI).
Siglas:
DM2: diabetes tipo II
JI: Jejum intermitente
IR: Resistência à insulina
LCHF: dieta de baixo teor de carboidratos e alto de gordura –
lowcarb/highfat
O Autor do livro "Inversion", da Tasmania:
Nenhum comentário:
Postar um comentário