segunda-feira, 11 de julho de 2016

A insulina e a saúde hormonal

A insulina e a saúde hormonal




A INSULINA E A SAÚDE DA MAMA E DA PRÓSTATA
por José Carlos Peixoto

Saúde hormonal e insulina elevada: como as intervenções alimentares low-carb podem proteger a saúde das mulheres e dos homens

Em 2015, o jornal Diabesity, publicou um artigo muito interessante, onde se demonstrava a intersecção de uma série de enfermidades crônicas e degenerativas por um aspecto comum: a hiperinsulinemia (taxas elevadas de insulina no sangue). Algumas enfermidades eram naturalmente bastante óbvias, como aquelas relativas a problemas endócrinos tais como obesidade e diabetes. Mas um grupo de doenças pode parecer intrigante para muitos: alguns tipos de câncer. A tabela relaciona o câncer de mama e o de ovário de forma direta ou indireta às taxas elevadas de insulina (os outros eram bexiga, intestino, fígado e pâncreas). (Quadro completo AQUI).

Como as taxas de insulina podem ser manejadas em boa medida por intervenções alimentares, podemos inferir que um estilo de alimentação que não promova seu aumento cronicamente possa ser uma estratégia de prevenção primária para doenças que geralmente ficam na dependência de diagnóstico precoce para serem enfrentadas (e não evitadas).

A Saúde da Mama e as Taxas de Insulina

Embora não seja um tema amplamente divulgado, a questão de um quadro metabólico estar envolvido com o câncer de mama não é novidade.

Já em 1992 um artigo intitulado “Insulin resistence and Breast Cancer Risk” (1) (Resistência à Insulina e o Risco do Câncer de Mama), que foi publicado no International Journal of Cancer, trazia o seguinte resumo: 

O estilo de vida tem uma grande influência sobre a incidência de câncer de mama. Para avaliar os efeitos de estilo de vida relacionados com fatores endócrinos metabólicos - no risco de câncer de mama foi realizado um estudo caso-controle comparando 223 mulheres com idades entre 38 e 75 anos que apresentavam câncer de mama operável (estágio I ou II) e 441 mulheres da mesma idade sem câncer de mama, que participaram de um programa de rastreio populacional de câncer mamário. Foram excluídas mulheres que referiram diabetes mellitus. O exame de sangue de um grupo de 110 mulheres da mesma faixa etária com melanoma em fase inicial, linfoma ou câncer de colo foi utilizado como um “segundo grupo de controle com outro câncer”. Os níveis séricos de peptídeo C foram significativamente maiores nos casos de câncer de mama precoce em relação aos controles. O mesmo foi verificado para na relação do peptídeo C / glicose ou do peptídeo C / frutosamina, indicadores de resistência à insulina. A SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais) tem relação inversa, os triglicerídeos e o estradiol disponível tem relação positiva com o nível de peptídeo C. Os níveis séricos de peptídeo C estavam relacionados com índice de massa corporal (IMC) e relação cintura / quadril (RCQ), em particular nos controles. No entanto, o aumento relativo de peptídeo C, o peptídeo C para glicose ou o peptídeo C para frutosamina - nos casos era independente do IMC ou RCQ. O risco relativo de registro foi linearmente relacionado com os níveis de registro de peptídeo C.
O risco relativo de acordo com quintis, e ajustados para idade, história familiar, IMC e RCQ, para mulheres no nível de 80% foi de 2,9, em comparação com aqueles que estão no nível de 20% de peptídeo C (nível de 20%, a quinta parte do grupo com as taxas mais baixas de peptídeo C, nível de 80% tem as taxas mais altas). Taxas elevadas de peptídeo C ou relação de peptídeo C para frutosamina não foram observados no soro de mulheres que pertenciam ao "grupo de controle outro-câncer".

Este estudo sugere que a hiperinsulinemia com resistência à insulina é um fator de risco significativo para o câncer de mama independente da adiposidade geral ou distribuição de gordura corporal. 

(Esse estudo utiliza a dosagem o peptídeo C, que é a molécula que é liberada no metabolismo da insulina, é um marcador da produção de insulina endógena, não sensível as variações provocadas pelo uso de insulina como medicamento na diabete tipo I, por exemplo)

No final do artigo é afirmado: 

O peptídeo C com seu efeito significante e independente sobre o risco de câncer de mama representa um novo fator de risco que é mais forte do que a maioria dos outros fatores conhecidos. A insulina atua tanto diretamente no crescimento celular e como indiretamente, pois os níveis de insulina são inversamente proporcionais à SHBG e, portanto, positivamente relacionados com a disponibilidade de estradiol e testosterona. A correlação negativa entre os níveis séricos de insulina e SHBG, recentemente, também foi relatado por outros estudos (Folsom et al., 1990). (...)
Em conclusão, este estudo de caso-controle sugere que a hiperinsulinemia com resistência à insulina é um link metabólico significativo entre o estilo de vida, caracterizado por hábitos alimentares e falta de exercício físico, e doenças como câncer de mama,(...)

Numa edição de 2012 do International Journal of Breast Cancer (2), um artigo de revisão resume que: 

A síndrome metabólica, que pode incluir ganho de peso e obesidade central, taxas de insulina e glicose sérica elevadas e resistência à insulina, tem sido fortemente associado com recorrência do câncer de mama e piores resultados após o tratamento.

Em uma pesquisa publicada pela revista Molecular Carcinogenesis de 2008 (3) foi relatado que as mulheres judias Ashkenazi que apresentam mutações nos genes BRCA tinham um início retardado do câncer de mama se não fossem obesas na adolescência e praticassem mais atividade física. Esse estudo correlaciona esse gene com uma enzima envolvida no metabolismo de ácidos graxos como a síndrome metabólica do câncer de mama (BRCA1 and Acetyl-CoA Carboxylase:
 The Metabolic Syndrome of Breast Cancer
). 

Como citado por John R Lee, em seu livro de título provocante (4), a relação entre o consumo de carboidratos, ganho de peso e estímulo ao estrogênio tem impacto predominante ao câncer de mama e pode ter sido uma das mudanças de hábitos que teria aumentado as taxas dessa doença na atualidade, especialmente nas sociedades industrializadas. O tecido adiposo produz aromatase, que é a enzima que converte hormônios masculinos em estrogênios, os hormônios mais ativos no tecido mamário, (tanto é verdade que uma das estratégias de tratamento de câncer de mama é o uso de inibidores seletivos de receptores de estrogênio, tal como o tamoxifeno). O Dr. John R. Lee entende que essa múltipla ação pró-estrogênica ligada à adiposidade pode ser a explicação para homens obesos, com barriga proeminente terem a região mamária obviamente pronunciada. 

Isso é explicado assim no artigo do International Journal of Biological Sciences, (6), de 2011, quando trata do tópico - Estrogênio, obesidade e câncer de mama:

O aumento da percentagem de tecido adiposo na obesidade proporciona um nível aumentado de aromatase, o que resulta num aumento da síntese de estrogénio. Além disso, a obesidade, bem como a hiperinsulinemia e os níveis elevados de IGF-1 foram demonstrados redutores da produção de globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG). Isto também leva a um aumento da biodisponibilidade de estrogénios. Mostrou-se que os caminhos do receptor de IGF-1 (IGF-1R) e receptor de estrogênio (ER) sinergizam na ativação da cinase de proteína ativada por mitogénio (MAPK). O estrogênio foi demonstrado induzir a expressão do IGF-1R, bem como os substratos dos receptores de insulina (IRS-1 e IRS-2). Esses efeitos do estrogênio conduzem a uma fosforilação do IRS-1 aumentada e, portanto, um aumento da ativação da MAPK consequente a estimulação do IGF-1 nas células de tumor de mama (MCF-7). A leptina e insulina, bem como o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-α) e a Interleucina 6 (IL-6) são conhecidos como indutores da aromatase e, consequentemente, estimulam a biossíntese de estrogênio. Estes resultados podem explicar a conexão do maior crescimento do câncer de mama em pacientes com DM2 (diabetes mellitus tipo II) e obesidade.

Mesmo que muito personagens envolvidos tenham denominações complicadas para a maioria das pessoas, fica claro que a insulina, e as conhecidas consequências ou relações com suas taxas elevadas, que inclui obesidade, diabetes e síndrome metabólica, tem marcada participação nas etapas fisio-patológicas do câncer de mama. 

O gráfico 1 que mostra relações dos personagens de quadros metabólicos e o câncer de mama (de acordo com referência 11):




A saúde da próstata e as questões metabólicas

Várias revisões e artigos de pesquisa apontam para a relação entre duas situações muito perturbadoras da saúde do homem com as taxas de insulina, síndrome metabólica e obesidade. Tanto a hiperplasia benigna da próstata quanto o câncer de próstata têm relação com níveis de insulina e suas implicações. 

Sobre o câncer de próstata, vejamos o que diz uma revisão publicada em 2005 pelo European Journal of Cancer, intitulado ”Hyperinsulinaemia: A prospective risk factor for lethal clinical prostate cancer”: (5) (Esse estudo incluía 320 homens, com câncer de próstata, avaliados entre 1995-2003).

(...) Isto confirma um estudo anterior, que o câncer de próstata é um componente da síndrome metabólica. Esta síndrome tem sido descrita como uma única entidade caracterizada pela absorção defeituosa da glicose mediada pela insulina. Os resultados do presente estudo indicam que pacientes com câncer de próstata clínico podem ter a mesma anormalidade metabólica da limitação de absorção de glicose mediada pela insulina com hiperinsulinemia secundária, como ocorre em pacientes com síndrome metabólica. Nossos dados também sugerem que as aberrações metabólicas precedem o desenvolvimento de câncer de próstata clínico letal. Os níveis aumentados de insulina precedem o câncer de próstata letal, o que suporta a hipótese de que a hiperinsulinemia é um promotor de câncer da próstata clínico letal e que a resistência à insulina e / ou hiperinsulinemia são eventos precoces no desenvolvimento do câncer de próstata clínico. Nossos dados sugerem que o nível de insulina pode ser usado como um marcador do câncer de próstata, do prognóstico do câncer e da agressividade do tumor, independentemente do estágio e grau de câncer prostático do paciente e nível de PSA. Além disso, o nível de insulina é interessante como um fator de risco prognóstico, porque é modificável através de intervenções no estilo de vida, nutricionais e farmacêuticas. Assim, um programa de redução da insulina pode retardar/ reduzir o crescimento de um câncer de próstata clínico. (...)

Um estudo bem mais recente publicado em 2014 no Asian Pacific Journal of Cancer Prevention (7) conclui que “Níveis elevados de insulina de jejum parecem estar associado com maior risco para o câncer de próstata”. Nesse caso, o estudo feito com homens no Nepal, os níveis mais altos de insulina de jejum (maior que 6,10) estava associado a um risco 2,5 vezes maior para esse câncer. 

Um outro estudo piloto, também asiático, publicado em 2010 (8), mostra resultados semelhantes em relação as taxas mais elevadas de insulina de jejum com o câncer de próstata. Essa publicação também relaciona a obesidade central, as taxas mais altas de triglicerídeos e as taxas mais elevadas de VLDL colesterol com essa enfermidade. Na discussão os autores apontam que: 

A obesidade central está associada com a resistência à insulina, hiperinsulinemia e a dislipidemia. Em nosso estudo, uma alta pontuação de Gleason foi estatisticamente associada com níveis de insulina mais elevados (p = 0,027). A insulina é reconhecida por ser um mitógeno (multiplicador) direto no crescimento da próstata in vitro e é necessário para o crescimento de células de câncer de próstata em cultura. Um estudo de caso-controle na China encontrou uma associação positiva estatisticamente significativa entre a insulina de jejum e de risco de câncer de próstata, indicando que a insulina pode ser um mediador que promove o desenvolvimento do câncer de próstata.

Adicionalmente, esse estudo coloca a questão da testosterona de uma maneira mais desafiadora no contexto do câncer de próstata, se associando a pesquisadores que entendem que o problema tem relação hormonal com o declínio da testosterona e aumento da expressão estrogênica, algo facilmente entendido na perspectiva metabólica. 

A testosterona é um fator-chave do crescimento da próstata, embora o câncer de próstata se apresente numa idade em que os níveis de testosterona estão em declínio. Sabe-se que a aromatase presente no tecido adiposo leva à diminuição dos níveis de testosterona devido a conversão periférica da testosterona em estradiol. Estudos sugeriram que a testosterona pode exercer um efeito de diferenciação sobre o câncer de próstata e a diminuição da testosterona no soro e um aumento dos níveis de estradiol pode estar associada com o câncer de próstata mais avançado e pouco diferenciado. Os níveis mais baixos de testosterona podem também ser devido à resistência à insulina o que leva a diminuição da produção de testosterona pelas células de Leydig, ou devido ao efeito de feedback negativo de proteínas inibidoras presentes em pacientes com câncer de próstata no eixo hipotálamo-hipófise- gonadal. (O câncer com menos diferenciação é considerado geralmente de pior prognóstico em qualquer tecido).

O aumento benigno da próstata é geralmente conhecido com hiperplasia benigna da próstata (HBP). Embora se trate de um transtorno sem características de malignidade, pode ser extremamente prejudicial para a qualidade de vida do homem maduro, pois costuma trazer prejuízos no sono, na função urinária, eventualmente com episódios de obstrução que precisa de intervenção como o uso de sondas, e muitos tratamentos podem trazer consequências prejudiciais à função erétil e para ejaculação em pós-operatórios, muitas vezes de forma permanente.

Já em 2001 uma pesquisa com 307 homens publicada no European Urology chegava a seguinte conclusão: 

Os resultados apoiam a hipótese de que a hiperinsulinemia está causalmente relacionada com o desenvolvimento de HBP e geram a hipótese de um aumento da atividade do nervo simpático em homens com HBP. (9)

Uma ampla revisão sobre o tema pode ser encontrada no artigo publicado pelo European Journal of Phamacology (10), em 2010. Esse artigo traz um gráfico com os diversos caminhos fisiopatológicos que compartilham o crescimento da próstata, que está reproduzido abaixo (é um pouco complexo - figura 2). Mas a conclusão é: 

(...) A síndrome de resistência à insulina está associada com o grupo de doenças que inclui, obesidade, intolerância à glicose, a disfunção endotelial, dislipidemia, diabetes e hipertensão. A revisão cuidadosa da literatura epidemiológica / clínica e experimental pertinente à co-existência de resistência à insulina ou fatores associados à resistência à insulina com a HBP, mostra claramente que a resistência à insulina é um fator de risco importante para a hiperplasia prostática. Além disso, diferentes componentes da síndrome de resistência à insulina estão interligados com uns aos outros e ativam vários mecanismos de promoção do crescimento da próstata e, assim, afetar a susceptibilidade para o desenvolvimento subsequente da HBP sintomática. (...)

O que importa é que essa breve revisão nos mostra que o cuidado alimentar – com a finalidade de manter as taxas de insulina de jejum em níveis mais baixas, e que pode ser resultado de uma alimentação com baixo teor de carboidratos, - pode ser uma estratégia acessível à população em geral, e consistentemente protetora para doenças bastante comuns que afetam dramaticamente milhares de homens e mulheres. 

Embora possa parecer simplismo afirmar que isso vai evitar que tantos indivíduos tenham essas enfermidades, os estudos nos dão base bastante sólida para mostrar que esse tipo de intervenção como medida de saúde pública seja a mais promissora, mais barata e menos sofrida estratégia para minimizar (e possivelmente prevenir) os sofrimentos com o câncer de mama e as doenças de próstata entre nós (além, é claro, de uma série de outras doenças ligadas taxas elevadas de insulina elevada).

Informações adicionais:

Aqui uma tabela que traz a relação entre distúrbios metabólicos (obesidade/diabetes) e certos tipos de câncer:



Figura 1 - http://www.ijbs.com/v07p1003.htm



Legenda da figura 2: Inter-relações entre diferentes fatores associados à resistência à insulina e seu possível envolvimento na patogênese da hipertrofia prostática. Disfunção na sinalização da insulina nos tecidos sensíveis à insulina clássicos (músculo, fígado e tecido adiposo) promove o desenvolvimento de hiperglicemia, dislipidemia e hiperinsulinemia. O aumento do nível de insulina é detectado pelo hipotálamo ventromedial e resulta na hiperatividade do simpático. Os fatores inter-relacionados associados à resistência à insulina promovem o crescimento da próstata por meio da modulação da lista de personagens: a insulina; o fator de crescimento semelhante à insulina -1 (IGF-1), PPAR-α / γ e sinalização de androgénio. G-6-P= Glicose-6-fosfato; GLUT2 e GLUT-4: transportador de glucose 2 e 4, HK= Hexoquinase; PFK= Fosfofrutoquinase, PDH= piruvato desidrogenase, PPAR α / γ= receptores ativados por proliferador de peroxissoma alfa / gama; IGFBP= proteína de ligação do fator de crescimento semelhante a insulina, SHBG= globulina de ligação de hormônios sexuais, GH; hormônio de crescimento; 5-AR= 5-alfa redutase; T= testosterona; DHT= Dihidrotestosterona, AR= receptor de andrógeno. (10)

Referências

Referências

(Essa revisão não incluiu outros temas pertinentes às doenças estudadas, como aspectos da poluição ambiental de ação hormonal e a influência de ácidos graxos alimentares, que serão analisados em artigos posteriores)




Compilação de José Carlos Brasil Peixoto – para o Paleodiário  

Nenhum comentário:

Postar um comentário