domingo, 18 de junho de 2017

A Associação Americana de Cardiologia (AHA) patrocinada pela industria contra-ataca

A AHA contra-ataca - 1

No último dia 15, a Associação Americana de Cardiologia (AHA) publicou um artigo em seu periódico oficial (Circulation) atacando a gordura saturada da dieta. 

Manchetes bizarras não tardaram em surgir. Discutirei as mesmas em postagem futura.

Não se trata de um novo experimento ou de uma nova revisão sistemática. Trata-se de uma revisão narrativa, isto é, seus autores claramente partiram da conclusão ("gordura saturada faz mal"), e selecionaram apenas os estudos que corroboram sua visão, ignorado os que a contradizem. Diga-se de passagem, ignoraram vários dos ensaios clínicos mais importantes, incluindo o Sydney Diet Heart Study, o Minnesota Coronary Experiment e o Women's Health Initiative, este último nada mais nada menos do que o maior, mais importante e mais caro ensaio clínico randomizado de dieta jamais conduzido. E incluíram um total de 4 (QUATRO) estudos antigos, mas que corroboravam seu ponto de vista apriorístico. Com base nisso, proferem a seguinte afirmação forte: "Taking into consideration the totality of the scientific evidence, satisfying rigorous criteria for causality, we conclude strongly that lowering intake of saturated fat and replacing it with unsaturated fats, especially polyunsaturated fats, will lower the incidence of CVD."
Totalidade da evidência científica??

Eis o estado da ciência em 2017 (veja as referências aqui):

Existem 3 metanálises e 3 revisões sistemáticas de estudos observacionais que não encontraram associação entre gordura saturada e doença cardiovascular (uma das revisões encontrou um risco menor com as poli-instauradas, mas não com carboidratos, em relação às saturadas);

Existem 6 metanálises e 5 revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, eNENHUMA delas encontrou efeito de gorduras saturadas em mortalidade total ou mortalidade cardiovascular. Algumas revisões não acharam nenhum efeito em nenhum tipo de desfecho. Outras acharam efeitos discretos em evento cardíacos não-fatais (mas nenhuma diferença em mortalidade) das gorduras saturadas em relação às poli-insaturadas. 

Apenas para deixar bem claro, o próprio artigo da AHA afirma que não adianta substituir gorduras (saturadas ou não!) por carboidrato. Ou seja, este artigo não está questionando low carb, não tem NADA a ver com isso. Leia você mesmo:



Assim, fica CLARO que a AHA não é favorável à solução da pirâmide alimentar, na qual as gorduras são substituídas por carboidratos, pois esta é CLARAMENTE uma opção ruim.

O mesmo artigo deixa CLARO também que a AHA já abandonou a ideia de que restringir gorduras totais na dieta seja útil ou desejável. Leia você mesmo:
"In summary, a dietary strategy of reducing intake oftotal dietary fat, including saturated fat, and replacingthe fats mainly with unspecified carbohydrates does notprevent CHD."
ou
"A dietary strategy of reducing intake of total dietary fat, including saturated fat, and replacing the fats mainly with unspecified carbohydrates does not prevent CHD."
Ou ainda

"Reduction in total dietary fat or a goal for total fat intake is not recommended."
Resumindo:
  • A AHA não está condenando dietas low carb;
  • A AHA não está recomendando uma dieta low fat;
  • A AHA posiciona-se CONTRA um limite, percentual ou absoluto, na quantidade de gordura na dieta
  • A AHA afirma que reduzir a quantidade de gordura saturada NÃO traz benefício SE isso for compensado pelo aumento de carboidratos --> ou seja, uma dieta high carb é, na visão da AHA, tão ruim quanto uma dieta rica em gordura saturada.
A ÚNICA questão em discussão aqui é, se em uma dieta low carb, a gordura saturada deve ser limitada ou não. Como vimos no início dessa postagem, isso está LONGE de ser um consenso. Diferentes autores conduziram diferentes metanálises e revisões sistemáticas com diferentes conclusões. Isso porque a MAGNITUDE da eventual diferença entre dietas com mais gordura saturada ou menos, em termos ABSOLUTOS (não use risco relativo, pois isso é desonestidade intelectual) é da ordem de menos de 1%.

Por exemplo: a única metanálise de ensaios clínicos randomizados que dá suporte a ideia de que a substituição de gorduras saturadas por insaturadas reduziria o risco de eventos cardiovasculares, mostrou uma redução de risco relativo de 17%. Mas risco relativo é uma forma desonesta de inflar resultados. O Dr. Grant Schofield fez os cálculos dos valores absolutos, e os resultados são os seguintes: se 10 mil pessoas tivessem sido randomizadas para dieta usual, e 10 mil para uma dieta com menos gordura saturada, teríamos 826 eventos no primeiro grupo e 814 no segundo. Ou seja, no PIOR dos casos (pois outras metanálises não encontraram NADA), consumir menos gordura saturada por 4,5 anos produziria 12 eventos cardíacos não-fatais a menos a cada 10.000 pessoas que adotassem essa estratégia (uma diferença de 0,12%). E a chance de morrer não é alterada.

***

Gravei um podcast sobre esse assunto ontem, dia 16, no dia seguinte da publicação do artigo da AHA. Falamos por cerca de 45 minutos sobre esse assunto. Estará disponível na próxima terça.

***

O grande Gary Taubes publicou uma análise sensacional sobre o assunto ontem mesmo, mas foi à noite, quando já havíamos gravado o podcast. Segue a íntegra do mesmo:

Guest Post: Vegetable Oils, (Francis) Bacon, Bing Crosby, And The American Heart Association


–Gary Taubes responds to the AHA presidential advisory on dietary fats.
Editor’s note: I was planning to write about the American Heart Association’s new statement about dietary fats so I asked Gary Taubes for a brief quote. Taubes, of course, is an investigative science and health journalist who has written three major books (Good Calories, Bad CaloriesWhy We Get Fatand The Case Against Sugar) that have challenged our received ideas and beliefs about nutrition. Instead of a quote I received a lengthy response, which he then turned into a post at my suggestion. As Gary says, and as his three books prove, he tends to get carried away on this subject. I am grateful to Gary for allowing me to publish this important statement.
Vegetable oils, (Francis) Bacon, Bing Crosby, and the American Heart Association
The human understanding, once it has adopted opinions, either because they were already accepted and believed, or because it likes them, draws everything else to support and agree with them. And though it may meet a greater number and weight of contrary instances, it will, with great and harmful prejudice, ignore or condemn or exclude them by introducing some distinction, in order that the authority of those earlier assumptions may remain intact and unharmed.     –Francis Bacon, Novum Organum, 1620
Four hundred years ago, give or take a couple of years, Francis Bacon pioneered thinking about the scientific method by noting that humans are programmed to pay more attention to evidence that agrees with their preconceptions and to reject evidence that doesn’t, and that this thinking leads to very effective religious dogma but not to reliable knowledge of the universe. Hence what was needed was a new technology of reasoning –Novum Organum, per the title of his book in Latin – that would minimize these tendencies, although he recognized that getting rid of them entirely was not an option. Humans didn’t function that way.
In good science, this kind of cognitive bias is addressed, among other methodologies, by deciding in advance of looking at the evidence (or doing a trial) what criteria will be used to judge the worth of the evidence (the results of the trial) without knowledge of whether that evidence supports our hypotheses. This is one reason why clinical trials are done double blind, and the data analyzed by researchers who are blinded to whether the subjects were interventions or controls, such that the biases of the investigators (or even the subjects) don’t bias the interpretation of the results.
For whatever reason, when it comes to heart disease and dietary fat, the investigators whom the American Heart Association chooses to determine what we should or should not eat have never been believers in this kind of, well, scientific methodology. This was the general conclusion of my first investigation into the dietary fat story going on 20 years ago for the journal Science. I’d like to say the situation has improved, but clearly it hasn’t. The latest Presidential Advisory from the AHA on saturated fat is the AHA’s expert authorities – what Inspector Renaud in Casablanca would have called “the usual suspects” – reiterating that they were right fifty years ago, and they were right 20 years ago, and they’re still right. And the techniques they used to come to those conclusions can be used again and again until someone stops them. Which is unlikely to happen.
A Scottish cardiologist/epidemiologist described this pseudoscientific methodology to me as “Bing Crosby epidemiology” – i.e., “accentuate the positive and eliminate the negative.” In short, it’s cherry picking, and it’s how a lawyer builds an argument but not how a scientist works to establish reliable knowledge, which is the goal of the enterprise. Not winning per se, but being right. It’s why I wrote in the epilogue of my first book on nutrition, Good Calories, Bad Calories, that I didn’t consider these people doing research in the nexus of diet, obesity and disease to be real scientists. They don’t want to know the truth; they only wanted to convince maybe themselves and certainly the rest of us that they already do and have all along. While all good science requires making judgments about what evidence is reliable and what isn’t, scientists have to do this keeping in mind that the first principle of good science, now quoting Feynman, “is that you must not fool yourself and you’re the easiest person to fool.” The history of science is littered with failed hypotheses based on selective interpretation of the evidence. Regrettably the AHA experts simply don’t believe that what’s true of far better scientists then themselves, could possibly be true of them as well.
Today’s Presidential Advisory, written by a dozen esteemed experts led by Harvard’s Frank Sacks, may be the most egregious example of Bing Crosby epidemiology that I’ve ever seen. It’s particularly interesting because four years ago the AHA released a report claiming to be evidence-based medicine, co-authored by an intersecting set of these usual suspects, that also claimed that the strongest possible evidence existed to restrict the saturated fat (SFA) in our diet and replace it with polyunsaturates (PUFAs). It was fascinating because multiple other meta-analyses, co-authored by independent researchers, had found the evidence to be weak or lacking. So how could it be the strongest possible? Surely there was room for improvement. That 2013 AHA document, though, made it exceedingly difficult to duplicate the analysis of the AHA experts and establish how they had come to such a paradoxical conclusion. This latest document in effect tells us what they did then and are still doing – i.e., what they’ve been doing all along.
Whether consciously or unconsciously, they assume that what they think is true surely is, and then they methodically eliminate the negative and accentuate the positive until they can make the case that they are surely, clearly and unequivocally right. And they might be, just as a lawyer arguing a case to a jury might always be right, but you can never know it from the lawyer’s argument alone. You have to hear the counter as well and then maybe you can decide.
So let’s look at this process of eliminating the negative: the AHA concludes that only four clinical trials have ever been done with sufficiently reliable methodology to allow them to assess the value of replacing SFAs with PUFAs (in practice replacing animal fats by vegetable oils) and concludes that this replacement will reduce heart attacks by 30 percent. In the history of this debate, this is a huge, if not unprecedented number. These four trials are the ones that are left after the AHA experts have systematically picked through the others and found reasons to reject all that didn’t find such a large positive effect, including a significant number that happened to suggest the opposite. For these trials they carefully identify why these trials were critically if not fatally flawed, and so why their results cannot and should not be used in any reasonable assessment. As Bacon might have said, “with great and harmful prejudice [the AHA experts] ignore or condemn or exclude them by introducing some distinction, in order that the authority of [their] earlier assumptions may remain intact and unharmed.”
They do this for every trial but the four, including among the rejections the largest trials ever done: the Minnesota Coronary Survey, the Sydney Heart Study, and, most notably, the Women’s Health Initiative, which was the single largest and most expensive clinical trial ever done. All of these resulted in evidence that refuted the hypothesis. All are rejected from the analysis. And the AHA experts have good reasons for all of these decisions, but when other organizations – most notably the Cochrane Collaboration – did this exercise correctly, deciding on a strict methodology in advance that would determine which studies to use and which not, without knowing the results, these trials were typically included.
What the AHA experts don’t do (perhaps because they are convinced they can’t possibly be fooling themselves) is make the same effort with the trials that do support their hypothesis and assumptions. If they did, they make little indication of it. Of the four studies that support the 30 percent reduction, all are ancient by the standards of nutrition science. All date to the 1960s. One of them, for instance, is the Oslo Diet-Heart Study. This trial reported a significant reduction in CVD events, in line with the beliefs of the AHA authors, and so it’s included among the four trials considered worthy of making the cut. The Oslo trial was indeed typical for the era, which means very primitive by today’s standards. A single investigator, Paul Leren, has local physicians recommend to him for inclusion in the study patients who are at high risk of heart disease or have already had heart attacks. He randomizes half of these patients, now subjects, to eat a low-SFA, high PUFA diet and then gives them intensive counseling for years (“continuous instruction and supervision,” as Leren puts it), and he compares them to a control group that gets no counseling and eats the standard Norwegian diet.
So one group gets a “healthy” diet and intensive counseling for years; the other group gets nothing. Nada. This is technically called performance bias and it’s the equivalent of doing an unblinded drug trial without a placebo. It is literally an uncontrolled trial, despite the randomization. (In this case, as Leren explains, all the physicians involved also knew whether their patients were assigned to the intervention group or the control, which makes investigator bias all that much more likely.) We would never accept such a trial as a valid test of a drug. Why do it for diet? Well, maybe because it can be used to support our preconceptions, but that’s not really a good answer. I’m guessing that the AHA experts made no attempt to find out if this trial was worthy of rejection because they liked the result If I’m wrong, I apologize and I hope one of them will write to tell me.
Why do I know this about Oslo? Because I was curious, always a good thing, and, of course, because it disagrees with my preconceptions and my biases. Still, my curiosity could not be satisfied by reading the published literature because Leren didn’t give the necessary details in the published studies. He probably didn’t have the space. He did in a monograph he published in 1966. I bought a copy a few weeks ago. That’s how curious I was. It’s in this monograph that Leren assesses the state of the science, just as our AHA experts do now, fifty-one years later, and he then describes in pretty good detail what he actually did in the trial. He also discusses the dietary changes achieved in his intervention group, and here’s where the performance bias, rather than the PUFA/SFA shift, may have determined the study outcome.
Leren mentions in passing that sugar consumption in his intervention group was very low, about 50 grams a day, which is 40 pounds a year and is probably less than half of the per capita consumption in Norway in that era. (I’m extrapolating back from this data — i.e., guessing.) So this is a critical problem with performance bias in a diet study, any diet study. As we’re taught in eight grade science classes, good scientific experiments change a single variable with an intervention such that we can see the effect of that change. In this trial, the variable that’s supposed to be different is the SFA/PUFA ratio, but the performance bias introduces another one. One group gets continuous counseling to eat healthy, one group doesn’t. Now how can that continuous counseling influence health status? One way is that apparently the group that got it decided to eat a hell of lot less sugar. This unintended consequence now gives another possible explanation for why these folks had so many fewer heart attacks. I don’t know if this is true. The point is neither did Leren. And neither do our AHA authorities. Although we can speculate that had they decided in advance what criteria they would use to reject studies and then have the studies assessed blindly, such that the individuals making the choice had no knowledge of the results of the study, they would have rejected this one, too. And the others, as well. All of the four studies used to support the 30 percent number had significant flaws, often this very same performance bias. Reason to reject them.
The PrediMed trial is another good example of the AHA’s Bing Crosby epidemiology. The AHA authorities, as they say in passing, would like us to eat a Mediterranean diet, and so they conclude the evidence from PrediMed supports this advice. PrediMed may be the most influential clinical trial of the last decade, but it, too, was critically flawed. No, fatally flawed. You had to read the supplemental data in this case to find out. The researchers randomized subjects to three arms, one of which got nuts (Mediterranean) and regular counseling; one got olive oil (Mediterranean) and counseling; one (non-Mediterranean) got bupkus and no counseling. Hence, significant performance bias. Midway through the trial, the researchers actually realize that this was a problem and decide to address it. Here’s how they describe this revelation on page 10 of the supplemental material:
“The initial dietary protocol for the Control group started with the delivery of a leaflet summarizing the recommendations to follow a low-fat diet (Table S2-S3) and scheduled one yearly visit. In October 2006, 3 years into the trial, we realized that such a low-grade intervention might potentially represent a weakness of the trial and amended the protocol to include quarterly individual and group sessions with delivery of food descriptions [my italics] shopping lists, meal plans and recipes (adapted to the low-fat diet) in such a way that the intensity of the intervention was similar to that of the Mediterranean diet groups, except for the provision of supplemental foods for free. This amendment of the protocol in no way meant a change in the quality and specific goals of the recommendations to the control group; it was only an enhancement in the eagerness of the intervention to make it similar to that delivered to participants in the Mediterranean diet groups.”
Sound of throat clearing… Imagine a drug trial, in which “three years into the trial” the investigators realize that it might be a problem that they neglected to give the control group a placebo. Oops. Would editors of a prestigious journal buy the idea that “such a low-grade intervention might [might!!] potentially represent a weakness of the trial?” Would such a trial get published in any respectable journal? In nutrition, and because the cognoscenti in the nutrition community like the results, it’s published in the New England Journal of Medicine, the most prestigious medical journal in the world, and makes it to the front page of the New York Times. And the admission of this potential weakness is only made in the supplemental material. Not in the paper itself. Imagine had the study found that the Mediterranean diet was actually harmful. That giving nuts and olive oil increased the risk of death. Do you think the assembled experts of the AHA would have included it in this assessment, or would they have found this performance bias problem and rejected it on that basis? I’m voting for the latter, but we’ll never know.
Ultimately this AHA document is a recapitulation of what the AHA experts have been arguing for decades. The only reason to publish it is because it’s been taken heat lately from folks like me and Nina Teicholz and a host of others who point out that we’re dealing with a pseudoscience here and the public deserves far better. Those of us who have become critics may indeed be biased about what we believe now – I certainly am — but ultimately we’re arguing for better science. This kind of post-hoc analyses of clinical trials, whether subgroup analysis or otherwise, can only be hypothesis generating. That’s basic logic. We don’t have to take a vote. Just open a basic science or biostatistics textbook. What the AHA experts are doing here is saying that their assessment of the data leads to what they consider a compelling hypothesis: replacing SFA with PUFA should reduce heart disease by 30 percent. But that’s all they can say. By deciding what data to include and what not based on their preconceptions of what’s true and what’s not, they cannot say this is a fact, as they claim, only that it’s still a reasonable hypothesis and has yet to be refuted.
This leads to three further critical points.
  1. One reason why the AHA’s four favored trials were done in the 1960s was not just to see if exchanging SFA for PUFA reduced heart disease risk, but to see if it reduced mortality. Like any drug, it’s not enough to show that an intervention has positive effects, benefits, you have to demonstrate that those benefits counterbalance the negatives, the risks. In the 1960s, the researchers and the public health authorities understood that and so most of these trials looked at total mortality as an endpoint. Only the Finnish Mental Hospital study showed a benefit of the diet on longevity and that was only in men. Not in women. (In fact, all the trials used to establish the 30 percent reduction number were done only in men. The Women’s Health Initiative was done in large part to see if what might be true for men would also be true for women, but the AHA doesn’t like this study, so we’re stuck with all men.)
Recently the epidemiologists discussing dietary fats and disease have taken again to focusing only on CHD, but they don’t say why. Even the Cochrane meta-analyses focus only on heart disease. My guess is they do this because the clinical trials showed no benefit for total mortality (they were mostly underpowered) and total mortality is hopelessly confounded in the observational studies. Personally, I’d rather die of heart disease than cancer or Alzheimer’s, but that’s may be because my familial experience has been with cancer and Alzheimer’s and it wasn’t pretty. Either way, if I’m going to change my diet and start consuming vegetable oils I want to know if I’m going to live longer. The AHA doesn’t even address that question. The first rule of medicine, preventive or otherwise, is still do no harm, and they’re making no attempt to assess harm. You can argue that they’re the AHA so what they care about is heart disease. But it’s not good enough. It’s never been good enough. And this leads to the second point.
  1. The AHA experts do acknowledge that they’re discussing the same decades-old trials that we’ve been arguing about for, well, decades, and they do acknowledge implicitly that these trials cannot resolve this controversy, and then they state explicitly what would be necessary to do so:
“The core trials reviewed in this section were started in the late 1950s and early 1960s. Readers may wonder why at least 1 definitive clinical trial has not been completed since then. Reasons include the high cost of a trial having upward of 20 000 to 30 000 participants needed to achieve satisfactory statistical power, the feasibility of delivering the dietary intervention to such a large study population, technical difficulties in establishing food distribution centers necessary to maintain high adherence for at least 5 years, and declining CVD incidence rates caused by improved lifestyle and better medical treatment [my italics]. These linked issues, which must be managed to obtain a definitive result, remain the central considerations for dietary trials on CVD and indeed are the overarching reason why few of these trials have ever been done. Finally, by the 1980s, with rising rates of breast and colon cancer, the US government committed to conducting the WHI (Women’s Health Initiative), a trial that studied a diet aimed at decreasing total fat in the diet to 20% with the expectation that saturated fat would likewise be substantially decreased. Consequently, carbohydrates were increased in the diet. Details are discussed subsequently.”
So a rigorous test probably can’t be done. And, more importantly, if this is what it takes to rigorously test the hypothesis—“20,000 to 30,000 participants needed to achieve satisfactory statistical power”— then why are we even discussing these other trials with nothing like that number? (And, of course, that’s why they had to dismiss the WHI as meaningful because that trial does have this kind of statistical power.) They’ve effectively eviscerated their own case. If this was a legal case, the judge would now throw it out and we’d all be having coffee in the lobby (with or without cream) discussing how this fiasco played out and why it ever got to court to begin with. And this leads to the third point.
  1. Did I say that the first rule of medicine, as Hippocrates pointed out, is do no harm? I believe I did. Back in 1981, Geoffrey Rose, a pioneer thinker in the field of preventive medicine, wrote an article in the BMJ on the strategy of preventive medicine, and he pointed out the same problem about vegetable oils that confronts us today. Again history keeps repeating itself in this world, in part because these researchers and authorities don’t think we have to do the experiments necessary to resolve this controversy and find out if the AHA’s hypothesis is indeed true. They’re too hard. (Imagine if physicists took this tact with their science. Why bother raising ten billion dollars to build a single accelerator so technology challenging that we have to work out the technological details as we go along, just because that’s what’s necessary to answer the next question they want to see answered? Too hard. They’ll never do it. Let’s not try. We can speculate and pretend it’s fact. Sigh.) As Rose observed, it’s one thing to tell people not to eat something because we evolved to eat very little of it and there’s good evidence that eating less of it will reduce chronic disease risk. This is what Rose called removing an “unnatural factor and the restoration of `biological normality’—that is, of the conditions to which presumably we are genetically adapted.” As Rose put it, “Such normalizing measures [for instance, telling people not to smoke] may be presumed to be safe, and therefore we should be prepared to advocate them on the basis of a reasonable presumption of benefit.”
But telling people to eat something new to the environment — an unnatural factor, à la virtually any vegetable oil (other than olive oil if your ancestor happen to come from the Mediterranean or mid-East), which was what concerned Rose and concerns us today — is an entirely different proposition. Now you’re assuming that this unnatural factor is protective, just like we assume a drug can be protective say by lowering our blood pressure or cholesterol. And so the situation is little different than it would be if these AHA authorities were concluding that we should all take statins prophylactically or beta blockers. The point is that no one would ever accept such a proposal for a drug without large-scale clinical trials demonstrating that the benefits far outweigh the risks. So even if the AHA hypothesis is as reasonable and compelling as the AHA authors clearly believe it is, it has to be tested. They are literally saying (not figuratively, literally) that vegetable oils — soy, canola, etc — are as beneficial as statins and so we should all consume them. Maybe so, but before we do (or at least before I do), they have a moral and ethical obligation to rigorously test that hypothesis, just as they would if they were advising us all to take a drug. And then, well, they should probably do it twice, since a fundamental tenet of good science is also independent replication. And what we need here is good science.

A AHA contra-ataca - 2 - manchetes estranhas

Na postagem anterior, discutimos o fato de que o novo artigo da Associação Americana de Cardiologia (AHA) não questiona a abordagem low carb, não defende a redução de gordura na dieta, mas sugere que a gordura saturada deva ser substituída por insaturada. Não que isso seja algo ruim - uma alimentação low carb pode facilmente ser conduzida com gorduras predominantemente insaturadas, sem que isso mude NADA do que aqui se propõe. Por outro lado, tentei demonstrar na postagem anterior como o argumento da AHA está LONGE de ser consenso do ponto de vista científico, e que existem várias metanálises que indicam o contrário.

No entanto, um marciano que chegasse na Terra no dia 16 de junho de 2017 imaginaria que a AHA publicou 2 estudos distintos: um discutindo os motivos pelos quais uma dieta pode ser low carb sem problemas, e pode ser high fat sem problemas, desde que a gordura seja predominantemente insaturada; e um novo estudo, demonstrando pela primeira vez, com base em ensaios clínicos randomizados, que óleo de coco faz mal.

Pessoal: o artigo de revisão da AHA não era sobre óleo de coco. O óleo de coco era citado dentro do artigo apenas salientando que coco era uma gordura saturada. E, no raciocínio dos autores, se é saturado, é ruim. Era uma coisa secundária. Um comentário dos autores, irritados com o que vêem (talvez até com um pouco de razão), com modismo. Mas nunca houve um ensaio clínico randomizado com óleo de coco e desfechos duros, concretos. Isso não mudou. Não há NADA de novo, do ponto de vista científico sobre óleo de coco.

Mas um marciano que chegasse na Terra teria certeza de que um novo estudo - definitivo, quiçá - sobre óleo de coco havia sido recém publicado. Afinal, olhem a manchete (e houve VÁRIAS como essa):





Mas... dizer que óleo de coco tem efeito semelhante ao da manteiga sobre a saúde é algoruim ou bomUma metanálise específica sobre manteiga, publicada 1 ano atrás, não mostrou malefícios de seu consumo (veja aqui). Vamos perguntar, à mesma empresa jornalística, qual a sua opinião sobre manteiga? 




Lá vai mais uma:



Pensando bem, se eu fosse o coco, ficaria orgulhoso em ser comparado com a manteiga... ;-)

***

Quer saber o que a revisão da AHA realmente falou sobre óleo de coco?





Neste trecho, a AHA admite que o óleo de coco, no contexto de uma dieta low carb, ajuda a MELHORAR o perfil lipídico, ao reduzir a relação LDL/HDL. Em seguida, eles embarcam numa discussão na qual confundem o fato de que elevações medicamentosas e genéticas de HDL não reduzem doença cardiovascular com o fato conhecido de que uma relação LDL/HDL mais baixa em razão de estilo de vida é um fator de risco (reduzido) muito mais importante do que o LDL isoladamente.
E termina assim:
"Ensaios clínicos que comparem os efeitos direitos em doença cardiovascular do óleo de coco versus outros óleos não foram publicados. Entretanto, como óleo de coco aumenta o LDL (...), nós aconselhamos que se evite o seu uso".

E é isso, caros leitores. É apenas isso. Não é uma nova descoberta. Não é um novo ensaio clínico randomizado. Não é uma nova metanálise sobre óleo de coco. É um parágrafo dentro de uma revisão narrativa, na qual os autores admitem que o perfil lipídico melhora com óleo de coco (LDL/HDL), então explicam que HDL não lhes interessa, e que o aumento do LDL é motivo aconselhar que se evite o seu uso.

Por que isso gerou manchetes? Felizmente eu não preciso explicar ao marciano - não saberia como.

Ok, mas é razoável supor que um alimento que aumente LDL, como coco ou manteiga, possa aumentar o risco cardíaco, especialmente quando comparado com outro, como óleo de milho, que reduz o LDL, não é mesmo?

Não. 

A realidade tem primazia sobre os mecanismos. A nutrição é assolada por esse erro, desde sempre. Se temos uma hipótese, temos de TESTÁ-LA. Antes de testá-la, criar políticas de saúde pública baseadas em suposições só nos levou a desastres, um atrás do outro.

Ao contrário do óleo de coco, que nunca foi testado em ensaios clínicos randomizados, a manteiga FOI, e o foi justamente em comparação ao óleo de milho. O óleo de milho DE FATO reduziu os níveis de LDL. Mas as pessoas morreram MAIS no grupo do óleo de milho. Detalhe - esse estudo permaneceu escondido por cerca de 40 anos - por ter resultados inconvenientes; e este estudo foi DESCONSIDERADO na revisão da AHA. Ahá!

Já fiz uma postagem sobre isso, à época. Mas aproveito para reproduzir a postagem na íntegra:





Imagine a seguinte situação hipotética:

Suponhamos que houvesse um remédio que aumentasse o seu "colesterol bom" (HDL) e, ao mesmo tempo, diminuísse o seu "colesterol ruim" (LDL). Seria perfeito, não é mesmo? O que poderia ser melhor do que um comprimido que pudesse, ao mesmo tempo, aumentar uma coisa boa, e reduzir uma coisa ruim?


Então, não precisa mais imaginar. Este milagre existe! A droga evacetrapib, do laboratório farmacêutico Lilly, reduz o seu LDL em 37% e, simultaneamente, eleva o HDL em inacreditáveis 130%. De fato, é a terceira droga com o mesmo mecanismo de ação, e é a terceira droga a falhar nos ensaios clínicos randomizados. Sobre a primeira delas, já escrevi (sugiro ler agora, antes de continuar)

Falhar como, se o LDL caiu muito, e o HDL subiu mais ainda?? Isso não seria definido como um estrondoso sucesso?

LDL, HDL, são exames de sangue, não são doenças. O que você sente quando seu LDL está alto? Nada. O que você sente quando seu HDL está baixo? Nada. O ÚNICO motivo pelo qual você tem algum interesse nesses números é a crença de que eles irão determinar as suas chances de ter um ataque cardíaco, ou de estar vivo, nos próximo anos. 


LDL e HDL são desfechos "moles" ("soft endpoints"); ataques cardíacos e mortes são desfechos "duros" ("hard endpoints").


O motivo pelo qual a droga evacetrapib e suas predecessoras foram um fracasso foi o fato de que, a despeito de bons resultados no que diz respeito aos desfechos moles, os resultados foram nulos no que diz respeito aos desfechos duros, que são os que realmente interessam (mortes cardiovasculares, ataques cardíacos, derrames, necessidade de cirurgias de coronárias ou de  hospitalização por dor no peito devido a angina instável). No caso da primeira droga da classe, o torcetrapib, o grupo no qual o LDL caiu e o HDL subiu morreu MAIS, e não menos.

Ou seja: desfechos moles são um primeiro passo em termos de pesquisa médica, mas não são substitutos para desfechos duros. O que interessa são os desfechos duros. Ok?

É sabido que gordura saturada aumenta o colesterol total. Aliás, este foi o motivo pelo qual, nos anos 1960, surgiu a ideia de recomendar a sua restrição. O raciocínio simplista era: reduza-se a gordura saturada, o colesterol (um desfecho MOLE) irá cair, e a incidência de doenças cardíacas (desfecho DURO) será drasticamente reduzida (hipótese jamais comprovada).

Pois bem, os anos foram passando, e as evidências foram-se acumulando de que a restrição da gordura na dieta não produzia alterações em desfechos duros, isto é, mortes (veja, aqui, por exemplo).

Na semana passada, porém, veio à luz um fato estarrecedor. O maior ensaio clínico randomizado jamais realizado sobre os efeitos de substituir a manteiga por óleo de milho (substituir a gordura saturada por gordura poliinsaturada, aquela com um adesivo escrito "cuide de seu coração") foi conduzido no final dos anos 60 e início dos anos 70. Estarrecedor por quê? Porque os resultados completos nunca foram publicados!!! E por quê não? Porque mostraram o contrário do que todos imaginavam. E sabe quem era um dos co-autores do estudo? Ancel Keys (relembre quem é ele).

Sim, o colesterol (desfecho MOLE) reduziu-se com a troca de manteiga por óleo vegetal refinado. Mas as mortes e o nível de aterosclerose (verificado por necrópsias!) AUMENTOU no grupo que trocou a manteiga pelo óleo de milho (desfecho DURO). Qualquer semelhança com a saga do torcetrapib, descrita acima, não é mera coincidência. É a obsessão pelo desfecho errado, pelo número impresso numa folha de papel.

Já se vão quase 50 anos. Quanto tempo ainda ficaremos manipulando apenas os desfechos moles, sem prestar atenção nos desfechos duros?? Afinal, de que vale ser enterrado (desfecho duro) com um envelope contendo números dentro dos valores de referência do laboratório (desfecho mole)? Os desfechos moles só são úteis quando se traduzem em desfechos duros - óbvio! Mas, em nutrição, muitas vezes o que ocorre é justamente o contrário...

Tratei sobre esse assunto no oitavo Podcast - clique aqui para escutar.

Abaixo, três reportagens sobre o assunto - a primeira da revista Superinteressante. A segunda do site Science Daily, traduzida pelo Hilton Souza do paleodiario.com. A última, no New York Times. 


40 anos depois da condenação, a revelação chocante: a manteiga era inocente

Por décadas, cientistas repetiram que óleos vegetais são melhores para a saúde do coração do que manteiga. Agora, revendo os dados de uma antiga pesquisa, pesquisadores descobrem que não é bem assim.
POR Denis Russo Burgierman ATUALIZADO EM 13/04/2016
A partir dos anos 1950, os médicos do mundo construíram um consenso sólido: dietas ricas em gordura saturada fazem mal ao coração. E, por décadas, a recomendação foi repetida no mundo inteiro: "troque a manteiga por óleos vegetais". Fazia todo sentido. Afinal, gordura saturada faz subir o colesterol. E colesterol alto está ligado a doenças do coração. Portanto, só podia ser verdade que dietas ricas em gorduras saturadas causam infarto. E tome óleo de soja, de milho, de girassol...
O que um grupo de pesquisadores americanos acaba de descobrir é que esse consenso fazia tanto sentido que dados que dizem o contrário acabaram sendo ignorados. Eles redescobriram uma pesquisa concluída mais de 40 anos atrás, reviram os números e chegaram a uma conclusão chocante: segundo a pesquisa, trocar a manteiga por óleos vegetais na verdade aumenta o risco de morrer do coração.
A fonte da discórdia é uma grande pesquisa realizada no estado americano do Minnesota entre 1968 e 1973, envolvendo 9.423 pacientes, que foram acompanhados por anos. Parte deles trocou a manteiga por óleos vegetais, enquanto os outros mantiveram os velhos hábitos. Apesar de ter sido o maior estudo do gênero já feito em todo o mundo, os dados nunca foram totalmente analisados e publicados. Mas tampouco foram para o lixo: ficaram guardados numa caixa, acumulando poeira no porão da casa da família do pesquisadormédico Ivan Frantz Jr., da Universidade de Minnesota, que morreu em 2009.
Até que, alguns anos atrás, Christopher Ramsden, um cientista do National Institutes of Health, o principal órgão federal de pesquisa médica dos EUA, ficou sabendo da pesquisa e saiu em busca dela. Acabou encontrando o filho de Frantz, que lhe deu a caixa empoeirada. Após meses analisando os números, a surpresa. Segundo a pesquisa redescoberta, até é verdade que, ao trocar manteiga por óleos vegetais, o colesterol cai: 14%, em média. Mas essa redução do colesterol não se traduziu em redução das mortes por doença cardíaca. Pelo contrário: o grupo que preferiu óleo de soja, milho e girassol teve uma chance 15% maior de morrer do coração.
Claro que Ramsden e sua equipe estão agora sofrendo várias críticas, de cientistas que questionam a validade do estudo de Minnesota - afinal, o consenso continua de pé, tantos anos depoisMas o estudo não é de todo surpreendente. Já se sabia que a relação entre dieta, metabolismo do colesterol e doença cardíaca era mais complexa do que supunham as relações simples de causa e consequência imaginadas nos anos 1950. As suspeitas de que a manteiga não era assim tão culpada nem os óleos, tão inocentes, já vinham se acumulando.
O vilão da vez é o ácido linoleico, presente em grandes quantidades em vários óleos vegetais, que é muito rico em ômega-6 (já escrevi sobre isso aqui e aqui). Aparentemente, o corpo humano precisa ter um bom equilíbro entre dois tipos de óleo: ômega-3 (presente em peixes, nozes e em sementes como a linhaça e a chia) e o ômega-6. Dietas muito ricas em ômega-6 levam a inflamações, que são um fator de risco para várias doenças, inclusive do coração. Mesmo quando o colesterol é baixo. Óleos vegetais pobres em ácido linoleico, como o azeite de oliva e o óleo de coco, não representam perigo.
Ninguém sabe ao certo porque os dados não haviam sido inteiramente publicados nos anos 1970, mas provavelmente teve a ver com o poder paralizante do consenso. O estudo havia sido encomendado pelo governo americano, que já sabia de antemão o que queria encontrar. Os pesquisadores envolvidos faziam parte do establishment - talvez, ao notar que os dados contradiziam o que eles próprios acreditavam, tenham desconfiado dos dados, não do consenso.

O pior é que, de lá para cá, o consumo de óleos vegetais só cresceu, principalmente porque ele é o mais comum nas comidas industrializadas - batatas frias, sobremesas, pizzas congeladas, molhos de salada. E realmente esse crescimento veio acompanhado de uma piora na saúde cardíaca do mundo ocidental.
A historinha é uma boa ilustração das limitações do conhecimento científico. É sempre bom ser lembrado que as verdades da ciência são sempre provisórias e que certezas precisam ser constantemente revistas e questionadas. E, enquanto lembramos disso, não custa fritar um ovinho na manteiga.

TROCAR MANTEIGA POR ÓLEOS VEGETAIS NÃO REDUZ O RISCO DE DOENÇA CARDÍACA

Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui.

Uma time de pesquisadores liderado por cientistas da UNC Escola de Medicina e dos Institutos Nacionais de Saúde trouxe à tona mais evidências que lançam dúvidas sobre a tradicional prática "saudável para o coração" de trocar manteiga e outras gorduras saturadas por óleo de milho e outros vegetais ricos em ácido linoleico.

As descobertas, publicadas hoje no Jornal Britânico de Medicina, sugerem queusar óleos vegetais ricos em ácido linoleico pode ser pior que usar manteiga no que diz respeito à prevenção da doença cardíaca, apesar de que mais pesquisa ainda precisa ser feita nessa frente. Essa evidência mais recente vem da análise dedados nunca publicados de um grande estudo controlado conduzido em Minnesota aproximadamente 50 anos atrás, bem como uma análise mais ampla de dados publicados de todos os estudos similares desse tipo de intervenção dietética.

As análises mostram que intervenções usando óleos ricos em ácido linoleico falharam em reduzir a doença cardíaca e mortalidade em geral, ainda que reduzisse os níveis de colesterol. No estudo de Minnesota, participantes que tiveram a maior redução no colesterol sérico tiveram risco de morte maior, ao invés de menor.

"Conjuntamente, essas pesquisas nos levam a concluir que a publicação incompleta de dados importantes contribuiu para a superestimação dos benefícios – e a subestimação dos riscos potenciais – de trocar a gordura saturada por oleos vegetais ricos em ácido linoleico", disse a co-autora Daisy Zamora, pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da UNC Escola de Medicina.


crença de que trocar gorduras saturadas por óleos vegetais melhora a saúde cardíaca remonta aos anos 1960, quando estudos começaram a mostrar que essa mudança dietética reduzia os níveis de colesterol. Desde então, alguns estudos – incluindo estudos epidemiológicos (entenda o que é um estudo epidemiológico) e com modelos animais – tem sugerido que essa intervenção também reduz o risco de infarto e a mortalidade relacionada. Em 2009, a Associação de Cardiologia Americana reafirmou sua visão de que uma dieta pobre em gordura saturada e moderadamente rica (5-10% das calorias diárias) em ácido linoleico e outros ácidos poliinsaturados ômega-6 provavelmente beneficiaria o coração.

Entretanto, estudos randomizados controlados – considerados o padrão-ouro da pesquisa médica – nunca mostraram que intervenções dietéticas baseadas em ácido linoleico (óleos vegetais refinados)reduzem o risco de infartos ou morte.

O maior desses estudos, o Experimento Coronariano de Minnesota (MCE), foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Minnesota entre 1968 e 1971. Ele envolveu 9.423 pacientes em seis hospitais psiquiátricos em uma casa de cuidados de longo prazo. Seus resultados não apareceram em nenhum periódico médico até 1989. Os investigadores reportaram que uma mudança de manteiga para óleo de milho e outras gorduras saturadas reduziu os níveis de colesterol mas não fez nenhuma diferença em termos de infartos, mortes devidas a infartos ou mortes no geral. (Nota minha - Souto: descreveram apenas os desfechos moles, e ESCONDERAM - dolosamente - os desfechos duros, que é o que realmente importa, pois ia contra a ortodoxia nutricional vigente).

Ao longo da investigação dos efeitos benéficos do óleos ricos em ácido linoleico, o time de investigadores liderados por Chris Ramsden, um investigador médico dos Institutos Nacionais de Saúde, esbarrou com o estudo MCE e o artigo de 1989.

"Olhando de perto, percebemos que algumas das análises importante que os investigadores do MCE tinham planejado fazer estavam faltando no artigo", diz Zamora.

Com a ajuda de Robert Frantz, filho do falecido investigador-chefe do MCE, o time foi capaz de recuperar muitos dos dados crus do estudo – que tinham ficado armazenados por décadas em arquivos e fitas magnéticas. O time também encontrou alguns dados e análises do estudo na tese de mestrado de Steven K. Broste, aluno de um dos investigadores originais.

Usando os dados recuperados para fazer as análises que tinham sido pré-especificadas pelos investigadores do MCE mas nunca publicadas, o time confirmou o efeito redutor de colesterol da intervenção dietética. Mas eles também descobriram que nos registros de autópsias recuperados, o grupo do óleo de milho teve mais que o dobro de infartos que o grupo de controle.


Talvez ainda mais chocante, sumários gráficos contidos na tese de Broste indicam que no grupo de intervenção, mulheres e pacientes com mais de 65 anos tiveram aproximadamente 15% mais de morte durante o estudo, comparados às suas contrapartes do grupo controle.

"Nós não recuperamos os dados de pacientes individuais que suportam os gráficos, então não pudemos determinar se as diferenças foram estatisticamente significativas", disse Zamora.

Ela também alertou para o fato de que as outras análises foram baseadas apenas em dados parcialmente recuperados de pacientes dos arquivos do MCE, então seria prematurao concluir deles que trocar gordura saturada por óleo de milho é na prática danoso à saúde.

Entretanto em um estudo muito citado, publicado em 2013, Ramsdem, Zamora e colegas foram capazes de recuperar dados não-publicados de um estudo menor, o Estudo da Dieta-Coração de Sydney, e lá também encontraram mais casos de doença cardíaca e morte entre pacientes que receberam intervenções de ácido linoleico (óleo de cártamo), comparados aos controles.

Seguindo-se à sua descoberta de dados do estudo MCE, os pesquisadores acrescentaram novos dados a seus bancos doestudo de Sydney e dos outros três estudos randomizados controlados sobre intervenções dietéticas com ácido linoleico.Em uma meta-análise dos dados combinados, eles novamente não encontraram evidência de que tais intervenções reduziam mortes por doença cardíaca ou pormortalidade por qualquer causa.

"Houve algumas diferenças entre estudos, mas no geral eles não discordam entre si", disse Zamora.

O motivo de os óleos contendo ácido linoleico reduzirem o colesterol mas piorarem ou ao menos falharem em reduzir o risco de infarto é assunto de pesquisas e de um debate acirrado. Alguns estudos sugerem que estes óleos podem – sob certas circunstâncias – causar inflamação, um fator de risco conhecido para a doença cardíaca. Há também alguma evidência de que eles podem promover aterosclerose quando quimicamente modificados em um processo chamado oxidação.

Referências

  1. Christopher E Ramsden, Daisy Zamora, Sharon Majchrzak-Hong, Keturah R Faurot, Steven K Broste, Robert P Frantz, John M Davis, Amit Ringel, Chirayath M Suchindran, Joseph R Hibbeln. Re-evaluation of the traditional diet-heart hypothesis: analysis of recovered data from Minnesota Coronary Experiment (1968-73). BMJ, 2016; i1246 DOI: 10.1136/bmj.i1246

      ***
      Um dos melhores textos sobre o assunto foi publicado no New York Times; não tenho tempo para traduzir - segue o original:

      A Decades-Old Study, Rediscovered, Challenges Advice on Saturated Fat





      CreditTony Cenicola/The New York Times


      A four-decades-old study — recently discovered in a dusty basement — has raised new questions about longstanding dietary advice and the perils of saturated fat in the American diet.
      The research, known as the Minnesota Coronary Experiment, was a major controlled clinical trial conducted from 1968 to 1973, which studied the diets of more than 9,000 people at state mental hospitals and a nursing home.
      During the study, which was paid for by the National Heart, Lung and Blood Institute and led by Dr. Ivan Frantz Jr. of the University of Minnesota Medical School, researchers were able to tightly regulate the diets of the institutionalized study subjects. Half of those subjects were fed meals rich in saturated fats from milk, cheese and beef. The remaining group ate a diet in which much of the saturated fat was removed and replaced with corn oil, an unsaturated fat that is common in many processed foods todayThe study was intended to show that removing saturated fat from people’s diets and replacing it with polyunsaturated fat from vegetable oils would protect them against heart disease and lower their mortality.
      So what was the result? Despite being one of the largest controlled clinical dietary trials of its kind ever conducted, the data were never fully analyzed.
      Several years ago, Christopher E. Ramsden, a medical investigator at the National Institutes of Health, learned about the long-overlooked study. Intrigued, he contacted the University of Minnesota in hopes of reviewing the unpublished data. Dr. Frantz, who died in 2009, had been a prominent scientist at the university, where he studied the link between saturated fat and heart disease. One of his closest colleagues was Ancel Keys, an influential scientist whose research in the 1950s helped establish saturated fat as public health enemy No. 1, prompting the federal government to recommend low-fat diets to the entire nation.
      My father definitely believed in reducing saturated fats, and I grew up that way,” said Dr. Robert Frantz, the lead researcher’s son and a cardiologist at the Mayo Clinic. “We followed a relatively low-fat diet at home, and on Sundays or special occasions, we’d have bacon and eggs.”
      The younger Dr. Frantz made three trips to the family home, finally discovering the dusty box marked “Minnesota Coronary Survey,” in his father’s basement. He turned it over to Dr. Ramsden for analysis.
      The results were a surprise. Participants who ate a diet low in saturated fat and enriched with corn oil reduced their cholesterol by an average of 14 percent, compared with a change of just 1 percent in the control group. But the low-saturated fat diet did not reduce mortality. In fact, the study found that the greater the drop in cholesterol, the higher the risk of death during the trial.
      The findings run counter to conventional dietary recommendations that advise a diet low in saturated fat to decrease heart risk. Current dietary guidelines call for Americans to replace saturated fat, which tends to raise cholesterol, with vegetable oils and other polyunsaturated fats, which lower cholesterol.
      While it is unclear why the trial data had not previously been fully analyzed, one possibility is that Dr. Frantz and his colleagues facedresistance from medical journals at a time when questioning the link between saturated fat and disease was deeply unpopular.
      “It could be that they tried to publish all of their results but had a hard time getting them published,” said Daisy Zamora, an author of the new study and a research scientist at the University of North Carolina at Chapel Hill.
      The younger Dr. Frantz said his father was probably startled by what seemed to be no benefit in replacing saturated fat with vegetable oil.
      “When it turned out that it didn’t reduce risk, it was quite puzzling,” he said. “And since it was effective in lowering cholesterol, it was weird.”
      The new analysis, published on Tuesday in the journal BMJ, elicited a sharp response from top nutrition experts, who said the study was flawed. Walter Willett, the chairman of the nutrition department at the Harvard T.H. Chan School of Public Health, called the research “irrelevant to current dietary recommendations” that emphasize replacing saturated fat with polyunsaturated fat.
      Frank Hu, a nutrition expert who served on the government’s 2015 dietary guidelines committee, said the Minnesota trial was not long enough to show the cardiovascular benefits of consuming vegetable oil because the patients on average were followed for only about 15 months. He pointed to a major 2010 meta-analysis that found that people had fewer heart attacks when they increased their intake of vegetable oils and other polyunsaturated fats over at least four years.
      “I don’t think the authors’ strong conclusions are supported by the data,” he said.
      To investigate whether the new findings were a fluke, Dr. Zamora and her colleagues analyzed four similar, rigorous trials that tested the effects of replacing saturated fat with vegetable oils rich in linoleic acid. Those, too, failed to show any reduction in mortality from heart disease.
      “One would expect that the more you lowered cholesterol, the better the outcome,” Dr. Ramsden said. “But in this case the opposite association was found. The greater degree of cholesterol-lowering was associated with a higher, rather than a lower, risk of death.”
      One explanation for the surprise finding may be omega-6 fatty acids, which are found in high levels in corn, soybean, cottonseed and sunflower oils. While leading nutrition experts point to ample evidence that cooking with these vegetable oils instead of butter improves cholesterol and prevents heart disease, others argue thathigh levels of omega-6 can simultaneously promote inflammation. This inflammation could outweigh the benefits of cholesterol reduction, they say.
      In 2013, Dr. Ramsden and his colleagues published a controversial paper about a large clinical trial that had been carried out in Australia in the 1960s but had never been fully analyzed. The trial found that men who replaced saturated fat with omega-6-rich polyunsaturated fats lowered their cholesterol. But they were also more likely to die from a heart attack than a control group of men who ate more saturated fat.
      Ron Krauss, the former chairman of the American Heart Association’s dietary guidelines committee, said the new research was intriguing. But he said there was a vast body of research supporting polyunsaturated fats for heart health, and that the relationship between cholesterol-lowering and mortality could be deceiving.
      People who have high LDL cholesterol, the so-called bad kind, typically experience greater drops in cholesterol in response to dietary changes than people with lower LDL. Perhaps people in the new study who had the greatest drop in cholesterol also had higher mortality rates because they had more underlying disease.
      “It’s possible that the greater cholesterol response was in people who had more vascular risk related to their higher cholesterol levels,” he said.
      Dr. Ramsden stressed that the team’s findings should be interpreted cautiously. The research does not show that saturated fats are beneficial, he said: “But maybe they’re not as bad as people thought.”
      The research underscores that the science behind dietary fat may be more complex than nutrition recommendations suggest. The body requires omega-6 fats like linoleic acid in small amounts. But emerging research suggests that in excess linoleic acid may play a role in a variety of disorders including liver disease and chronic pain.
      A century ago, it was common for Americans to get about 2 percent of their daily calories from linoleic acid. Today, Americans on average consume more than triple that amount, much of it from processed foods like lunch meats, salad dressings, desserts, pizza, french fries and packaged snacks like potato chips. More natural sources of fat such as olive oil, butter and egg yolks contain linoleic acid as well but in smaller quantities.
      Eating whole, unprocessed foods and plants may be one way to get all the linoleic acid your body needs, Dr. Ramsden said.
      ***
      Observação: nenhum desses estudos prova que comer grande quantidade de gordura saturada pura seja bom para você. O que os estudos mostram é que fugir dela, substituindo-a por óleos vegetais refinados, é ruim e muito pior. Masninguém estava tomando café com metade de um tablete de manteiga em Minnesota nos anos 60. Os estudos acima dão suporte à ideia de não fugir da gordura natural dos alimentos, e não ao consumo ilimitado de gordura saturada. Gordura saturada é provavelmente NEUTRA para a sua saúde. Óleos vegetais extraídos de sementes são ruins. As gorduras efetivamente boas são as insaturadas que ocorrem NATURALMENTE nos alimentos - azeite de oliva, abacate, nozes, castanhas, peixes e frutos do mar.
        Bom momento para reler esta postagem:

          Low Carb, High Fat: quando high torna-se "too high"?

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