Dietas cetogênicas e câncer - parte I
Estou publicando a tradução de uma parte de um artigo de revisão sobre o uso da dieta com extrema redução de carboidratos - a dieta cetogênica - e sua eventual utilidade na terapia do câncer. Nessa primeira parte é falado sobre a história e aplicações clínicas, algumas já bem utilizadas e outras em avançado estágio de testes.
DIETAS CETOGÊNICAS COMO AUXILIAR NA TERAPIA CONTRA O CÂNCER: HISTÓRIA E POTENCIAL MECANISMO DE AÇÃO - parte I
(Título original: Ketogenic
diets as an adjuvant cancer therapy: History and potential mechanism)
Autores: Bryan G. Allen, Sudershan K. Bhatia, Carryn M. Anderson,
Julie M. Eichenberger-Gilmore, Zita A. Sibenaller, Kranti A. Mapuskar,
Joshua D. Schoenfeld, John M. Buatti, Douglas R. Spitz, Melissa A. Fath
Numerosos componentes dietéticos e suplementos
foram avaliados como possíveis agentes de prevenção do câncer; no entanto, até
recentemente, poucos estudos têm investigado a dieta como um possível adjuvante
para o tratamento do câncer. Uma das mais proeminentes e universais alterações metabólicas
vistas em células cancerosas é um aumento da taxa de metabolismo glicolítico,
mesmo na presença de oxigênio [1]. Embora a absorção aumentada de glicose pelas
células do tumor fosse pensada como suporte a proliferação aumentada de células
cancerosas e de sua demanda energética, estudos recentes sugerem que esse maior
metabolismo glicolítico tumoral pode representar uma resposta adaptativa para
escapar do stress oxidativo metabólico causado pela alteração do metabolismo mitocondrial
do oxigênio [2-4]. Estes dados suportam a hipótese de que as células cancerosas
são dependentes do consumo de glicose aumentado para manter a homeostase redox
devido ao incremento das reduções de um elétron do O2 para formar (O2•−
) (espécie reativa de oxigênio, também grafada como O2 - )
e H2O2 nas mitocôndrias. Essa divergência de metabolismo normal da célula tem
suscitado um interesse crescente na segmentação do metabolismo de oxigênio
mitocondrial como meio de sensibilizar seletivamente as células cancerosas à
terapia [5-17]. A este respeito, as modificações dietéticas, tais como o alto
teor de gordura, e a redução de carboidrato das dietas cetogênica, algo que
melhora o metabolismo oxidativo mitocondrial enquanto limita o consumo de
glicose, poderia representar uma abordagem eficaz segura, barata, e facilmente
implementável para seletivamente aumentar o estresse metabólico em células
cancerosas contra as células normais.
O que é uma
dieta cetogênica?
Uma dieta cetogênica consiste de um alto teor de
gordura, moderada ou reduzida ingestão de proteínas, e extrema redução de
carboidratos, o que força o corpo a queimar gordura em vez de glicose para a
síntese de adenosina trifosfato (ATP). Geralmente, a proporção por peso é de
3:1 ou 4:1 de gordura para carboidratos/proteínas, produzindo uma dieta que tem
uma distribuição de energia de cerca de 8% de proteína, 2% de carboidratos e
90% de gordura. A fig. 1 apresenta a composição da dieta cetogênica clinicamente
disponível a dieta 4:1 KetoCal© em comparação com outras dietas relacionadas.
Quando um indivíduo ingere uma dieta cetogênica, o metabolismo das gorduras
ocorre através da oxidação de ácidos graxos pelo fígado, produzindo os corpos
cetônicos, incluindo o acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. As cetonas
são transportadas no sangue para os tecidos onde eles são convertidos em
acetil-CoA, um substrato da primeira etapa do ciclo do ácido cítrico. O conteúdo
de baixo carboidrato da dieta cetogênica pode provocar uma modesta redução da
glicose no sangue e um maior controle glicêmico geral, resultando em níveis
mais baixos de hemoglobina glicada A1C [18]. Este tratamento também pode
estimular a gliconeogênese em seres humanos para compensar a queda nos níveis
de glicose no sangue [19]. A adesão e a eficácia das dietas cetogênica podem
ser monitorados pela medição no soro e na urina de β-hidroxibutirato [20].
Figura 1 |
A
descoberta da dieta cetogênica como uma terapia para enfermidades
Desde Hipócrates, períodos prolongados de jejum foram registrados
como uma ferramenta terapêutica para epilepsia [21]. No início do século XX a literatura
médica apresenta vários relatos de caso, sugerindo que os pacientes com várias
doenças, incluindo epilepsia, se beneficiam em jejuns curtos, de 2 a 3 semanas
e estes estudos atribuíram o sucesso do jejum à desidratação, à cetose ou à acidose
[21]. Em 1921, Dr. R.M. Wilder na clínica Mayo propôs uma dieta na qual
derivaram-se a maior parte das calorias a partir da gordura, imitando as
alterações bioquímicas do jejum para o tratamento da epilepsia. Ele cunhou o
termo: dieta cetogênica para essa
composição dietética [21]. Com o desenvolvimento de drogas anticonvulsivantes
seguras e eficazes como a fenitoína e o valproato de sódio na década de 1950, o
interesse na dieta cetogênica diminuiu, mas a terapia foi ainda utilizada em
casos onde os sintomas da doença foram refratários a outras terapias
medicamentosas. Com base em experiências clínicas, dietas cetogênicas começaram
a ressurgir na década de 1990 como uma alternativa de primeira linha e
aceitável em pacientes com epilepsia da infância que eram indiferentes às
outras terapias com drogas anticonvulsivantes. Um recente estudo randomizado
controlado da University College London mostraram um claro benefício da dieta
cetogênica no controle de convulsões da infância. Na análise final dos 54
pacientes no grupo de dieta, 61% experimentaram reduções significativas nas convulsões
em comparação com 8% dos pacientes no grupo controle [22]. Além disso, depois
de consumir a dieta por cerca de 6 meses, não havia nenhuma evidência de
efeitos adversos significativos na cognição da infância ou adaptação social [23]
Aplicações
clínicas da dieta cetogênica
O crescente reconhecimento da segurança e da eficácia do uso de
dietas cetogênicas no tratamento da epilepsia resultou na aplicação bem-sucedida
desta intervenção dietética para outras doenças. É de uso mais notável e bem
estudado a dieta cetogênica para o tratamento da obesidade, popularizada pelo
Dr. Robert Atkins (ver fig. 1) (Livro: A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins,
1972). A dieta Cetogênica também foi demonstrada sendo benéfica no tratamento
de pacientes com defeitos do transportador de glicose e outros distúrbios
inatos do metabolismo [24]. É relatado que a dieta se mostra promissora em
retardar a progressão da esclerose amiotrófica lateral [25] e há um corpo
crescente de evidências sugerindo que as dietas cetogênica podem ser benéficas
em outras doenças neuro-degenerativas, incluindo a doença de Alzheimer e a doença
de Parkinson [26]. Além disso, existem relatos de casos e pequenos estudos de
caso, indicando melhora em pacientes com autismo [27], depressão [28] diabetes
mellitus tipo 2 [18], e síndrome do ovário policístico [29].
Dieta cetogênica
na terapia do câncer
Recentemente, dietas cetogênica têm sido estudadas como um
adjuvante à terapia de câncer em modelos animais e relatos de casos humanos. Já
em 1987, Tisdale et al. viu um tumor diminuir de peso e a caquexia melhorada em
camundongos com de adenocarcinoma de cólon (técnica de enxerto externo, xenografts)
se alimentando com uma dieta cetogênica [30]. Estudos adicionais têm mostrado
que as dietas cetogênica reduzem o crescimento do tumor e aumentam a sobrevida
em modelos animais de glioma maligno [31-33], de câncer de cólon[34], câncer
gástrico [35] e câncer de próstata [36-38]. Além disso, dietas cetogênicas tem
sido especuladas, com algumas evidências, de potenciar os efeitos da radiação em
modelos de glioma maligno [39], bem como em modelos de câncer de pulmão de células
não-pequenas [5]. O jejum, que induz a um estado de cetose, também foi demonstrado
aumentar a capacidade de resposta à quimioterapia em modelos de terapia de
câncer pré-clínico, bem como possivelmente atenuar alguns dos efeitos
colaterais em tecido normais vistos na quimioterapia [40]. Ciclos de jejum
também são relatados retardar o crescimento de tumores e sensibilizar uma gama
de tipos de células de câncer com quimioterapia [40,41]. Alguns dos resultados
clínicos incluem um relato de caso de dois pacientes pediátricos femininos, com
tumor maligno de estágio avançado que demonstraram uma redução de 21,8% no SUV
(valor de captação padronizado calculo pelo exame PET/CT) do tumor quando esses
pacientes foram alimentados com uma dieta cetogênica, conforme determinado pela
utilização de 2-deoxi-2 [18F] fluoro-D-glicose (FDG) utilizando a tomografia
por emissão de pósitrons (PET) [42]. Um caso mais recente reportado mostra a melhoria
em um paciente do sexo feminino de 65 anos de idade com glioblastoma multiforme
tratada com restrição calórica dieta cetogênica juntamente com o tratamento
padrão [43]. De forma importante, um estudo de qualidade de vida em pacientes
com câncer avançado descobriu que uma dieta cetogênica não teve nenhum efeito
adverso grave, e melhorou o funcionamento emocional e reduziu a insônia [44].
(Na segunda parte uma proposta de como a dieta cetogênica atua no
câncer)
Para ver a segunda parte CLIQUE AQUI
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Artigo de REDOX BIOLOGY
Fonte bibliográfica: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2213231714000925
Postado há 2 weeks ago por Jose Carlos Brasil Peixoto
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