GASTRÔ
Tudo sobre a dieta paleolítica
Entenda porque ser "paleo" não é uma moda temporária e sim um estilo de vida baseado em comida de verdade; leia a entrevista com Dr. Souto na íntegra.
PUBLICADO EM 08/11/15 - 04h00
Existem inúmeras dietas e regimes para emagrecer e manter seu corpo
saudável. Você deve conhecer muitas dessas soluções 'mágicas' para
ajudar a chegar na silhueta perfeita e, talvez, até já tenha testado
algumas delas. Mas nenhuma receita é tão simples e eficaz quanto aquela
que foi criada há milhares de anos, quando o Homo erectus decidiu usar o fogo para começar a aquecer seus alimentos.
A fórmula é banal: nada de açúcar, grãos cultivados e, claro, alimentos
industrializados. Coma apenas quando sentir vontade, até se sentir
saciado. Carnes de todos os tipos e gorduras naturais, como a banha e o
polêmico bacon, estão liberados. Essa é a base do tipo de alimentação no
período paleolítico, apelidada recentemente de "dieta paleo".
Uma pequena reflexão: Se a comida de antigamente era tão boa, quanto não
tinham cozinhas ou supermercados, por quê a expectativa de vida era
menor? Em tempos ancestrais, as mortes eram causadas principalmente pela
violência, fome ou por doenças como a malária. Nosso tempo de vida só
aumentou consideravelmente com a descoberta da penicilina e com a
implantação de saneamento básico.
Desde
meados do século passado, entretanto, conseguir comida passou a ser uma
tarefa fácil. Isso é bom, mas essa abundância traz um novo problema
como contrapartida. A maioria das pessoas come e bebe, sem pensar de
onde vem o hambúrguer, o peixe, a salada, a cerveja e seu 'nutritivo'
cereal matinal. E a indústria alimentícia se aproveita dessa indiferença
para vender comida de mentira, cheia de corantes, aromatizantes,
conservantes e açúcar.
À primeira vista, pode parecer difícil abrir mão de comer arroz, pão,
macarrão, pizza, doces ou bolo todos os dias. Mas há muitas pessoas no
planeta que nunca comeram um pão feito de trigo ou um chocolate
industrializado e nem por isso morrem. Lembre-se, comida é cultura.
Muito popular entre uma nova comunidade de pessoas interessadas em
melhorar sua saúde com alimentos mais naturais e bastante difundida no
meio dos atletas amadores nas academias, como os adeptos ao crossfit, a
dieta paleo é um tipo de alimentação pobre em carboidratos e mais muito
rica em gorduras (low carb, high fat ou
LCHF) e tem várias ramificações. Você pode escolher o quão paleo você
quer ser. "Os praticantes da paleo em geral são mais estritos e comem
apenas a categoria de alimentos não-processados: carnes, ovos, verduras,
frutas, legumes, castanhas e raízes. Alguns abrem espaço para alimentos
processados, como os queijos. Raramente ou nunca, comemos alimentos
processados a partir de grãos cereais, óleos industrializados ou que
contenham açúcar adicionado", destaca o analista de sistemas Hilton
Sousa, de 39 anos, que faz parte de um grupo que compartilha suas
experiências e traduções de textos especializados na internet.
Luta contra o peso. A
dieta paleo entrou na rotina de Sousa em 2013, porque queria perder
peso. Ele conta que chegou a tentar a reeducação alimentar convencional,
mas isso não durou uma semana. "Também defino essa dieta como 'não
comer qualquer produto cuja lista de ingredientes a sua bisavó não
reconheceria'. Quando comecei, tinha os receios que todos têm: vou ficar
fraco? Será que comer banha e manteiga não vai 'entupir' minhas
artérias? Assim, vindo da área exata, me propus um teste de 60 dias",
lembra, explicando que fez teses de acompanhamento e que, dessa vez,
conseguiu encarar a mudança alimentar por todo o período. "Meu
colesterol total baixou 18%, os triglicérides baixaram 43% e perdi 8kg.
Decidi então tentar por mais tempo. No primeiro ano, os exames de sangue
sempre mantiveram-se estáveis ou melhoraram. Foram 15kg a menos ao
todo, comendo o mesmo tanto", diz. Desde então seu peso não variou
tanto, estabilizando-se na casa dos 63kg.
A estudante de nutrição Patrícia Ayres, de 44, também diz que sempre
teve uma rixa séria com a balança. "Meu histórico familiar não colabora
muito e, por isso, sempre pesquisei muito sobre dietas e sofri muito
nessas experimentações. Não dá para viver contando calorias e não é nada
prático viver comendo de três em três horas", afirma. Para ela não é a
toa que dietas que exigem controle muito rígido não tem grande adesão e
estão fadadas ao fracasso. Ayres acredita que uma boa dieta precisa
estar adaptada à nossa vida, sem nos deixar com fome o tempo todo.
Ela conta que sentiu seu paladar mudar radicalmente depois de 4 anos na
paleo. "Todos que já sofreram com peso foram ou são pessoas dependentes
de carboidratos. Comigo não foi diferente. Meu paladar tende a gostar
mais de doces e, no princípio, fazia muitas receitas para substituir os
doces que era habituada a consumir. Receitas de alimentos sem açúcar ou
farinha nos nutrem mais rapidamente e logo nos satisfazem. A quantidade
que comemos desses ingredientes é automaticamente menor", diz.
"Tomando como base o conceito de que densidade nutricional de um
alimento, que é o somatório de todos nutrientes essenciais divididos
pelo peso do mesmo, não creio que possa existir uma dieta mais nutritiva
do que a paleo", ela completa, explicando que esse foi um dos motivos
em aprofundar os estudos na área, apesar de o meio acadêmico ainda ser
resistente à esse estilo de vida baseado em comida de verdade.
A dieta dos campeões
Inspirado nas culturas alimentares paleo, diet, slow food e eat fresh,
o empresário Victor Fabel, 30, sócio proprietário do restaurante Fuel
Food, é primeiro em Belo Horizonte a oferecer um cardápio diferenciado
para aqueles que prezam por uma vida balanceada, tanto na parte de
dieta, como na parte de exercícios físicos. "Sou praticante de crossfit e
foi por ele que fiquei conhecendo a paleo. Ainda não temos um cardápio
100% focado nesta dieta, precisamos adaptar alguns pratos levando em
consideração as pessoas que ainda estão conhecendo esse tipo de
alimentação, sem que sejam obrigados a segui-la", ele explica.
O menu da casa foi desenvolvido por um chef e uma nutricionista
especializada na prática esportiva. Os pratos mais vendidos são o
"Neandertal" (contra filet, mandioca cozida e quiabos enrolados no
bacon), o "Australopithecus" (almondega com bacon ao molho sugo com
espaguete de abobrinha) e o "Nanotirano" (peito de frango com bacon,
purê de batata doce e legumes grelhados ao mel). Fabel garante que todos
produtos utilizam ingredientes frescos e de qualidade. "Pode ser
coincidência, mas todos mais vendidos levam bacon", destaca. Ele conta
que os pratos foram elaborados para saciar a fome de qualquer um, desde o
atleta de todos os dias ou alguém que vai ao restaurante apenas
conhecer. "Nosso diferencial no mercado é o resultado do nosso produto
final", comemora.
SERVIÇO
Fuel Food. Rua da Bahia, 1605 - Lourdes (Mezanino da academia Crossfit BH)
Funcionamento: de segunda à sexta, das 11h às 21h, e sábados, das 9h às 15h
Telefone: (31) 3568-4510
ENTREVISTA
Dr. José Carlos Souto
"No
mundo em que vivemos, cozinhar é um hábito quase subversivo", diz o
médico de Porto Alegre. Ele é autor do blog "Dieta Low-Carb e
Paleolítica", a principal referência para quem vive um estilo de vida
paleo
1)
Volta e meia são publicados estudos que levantam hipóteses de que o
consumo de carnes vermelhas faz mal para o nosso corpo. Porquê pesquisas
não são feitas, de uma forma definitiva, para identificar os reais
efeitos desta substância?
Não se tem registro de populações que não utilizam agricultura e que
sejam 100% vegetarianas. Assim sendo, sabendo-se que a carne faz parte
do cardápio humano a cerca de 2,5 milhões de anos, devemos avaliar com
certo ceticismo afirmações de que a carne vermelha seria péssima para a
nossa saúde.
Infelizmente, pesquisas que possam responder esta questão de forma
definitiva, como você mesmo colocou, jamais serão realizadas, pois
apenas o ensaio clínico "randomizado" pode responder esta pergunta.
Esses ensaios são experimentos nos quais um grupo grande de pessoas é
sorteado para dois ou mais grupos, um dos quais deverá, no caso, comer
carne, e o outro não, por um período de vários anos.
Se você apenas tentar imaginar a logística de um estudo como esse, verá
que o mesmo não é possível na prática, levando-se em conta que os
efeitos do consumo de determinada dieta muitas vezes ocorreram décadas
no futuro. Assim, o que temos é a ciência imperfeita dos estudos
epidemiológicos, nos quais tentamos estabelecer correlações entre
determinados hábitos e determinados desfechos.
Mas tais correlações são admitidamente sujeitas a muitos erros. O erro
não é levantar hipóteses como a de que a carne vermelha não seja
saudável, baseadas em estudos epidemiológicos. O erro é não salientar
para a população que este tipo de estudo não pode estabelecer causa e
efeito, e que os efeitos observados são de magnitude muito pequena. O
pânico causado por este tipo de notícia é desproporcional ao diminuto
tamanho do efeito sobre o qual estamos tratando.
2)
Há estudos sobre associação entre o desenvolvimento de doenças e
consumo de carnes vermelhas de maior impacto científico do que outros?
Como são feitos esses relatórios e qual é o tipo de rigor utilizado
neles? Além de alarmar a população, quais são as consequências da
divulgação dessas pesquisas?
Com certeza há estudos mais bem feitos do que outros. Em um estudo
epidemiológico, isto é, aquele tipo de estudo no qual se observa o que
as pessoas fazem e tenta-se estabelecer relações disso com eventuais
doenças, o tamanho da amostra é um dos fatores importantes.
Infelizmente, a quase totalidade dos estudos epidemiológicos baseiam-se
em uma ferramenta extremamente falha, o questionário de frequência
alimentar. Se você apenas tentar responder um questionário desses, verá o
que eu quero dizer. Nenhum de nós consegue responder tais
questionamentos sem inventar muitas das respostas. A maioria de nós não
consegue lembrar nem o que comeu ontem, quanto mais coisas como "quantas
porções de frango você consome no mês típico".
A sua pergunta sobre o efeito potencial de alarmar a população com
determinadas manchetes é crucial. Veja, nutrição é um jogo de soma zero,
isto é, a retirada de um item implica a introdução ou o aumento de
outro. O que quero dizer com isso? Vejamos um exemplo: se nós dissermos
que o cigarro é ruim e as pessoas decidirem parar de fumar, esta é uma
situação em que só há ganho, não há nenhuma consequência ruim.
Se, no entanto, eu disser que a carne provoca câncer e a pessoa retirar a
carne de seu cardápio, o que me garante que esta carne será substituída
por peixe, e não por carboidratos refinados que - para mim não resta
dúvida - aumentariam muito mais o risco de doenças crônicas e
degenerativas nesta pessoa. Este foi exatamente o erro cometido nos anos
70, quando a recomendação para se evitar a gordura na dieta levou a um
aumento do consumo de carboidratos que, por sua vez, produziu a epidemia
de obesidade diabetes e síndrome metabólica que vemos hoje.
3)
No post "Carne vermelha, de novo", sobre o recente relatório da OMS,
você explica de forma bastante didática que comer grandes quantidades de
carne vermelha e bacon todos os dias não são praticas que fazem parte
das recomendações básicas de uma dieta paleolítica e low carb.
Como a comunidade médica recebe as outras orientações desse tipo de
alimentação em específico e quais as principais dificuldades encontradas
para se mudar a crença nutricional vigente?
A ideia de que uma dieta de estilo paleolítico seja basicamente carne é
uma ideia equivocada. Mas é a ideia que está na cabeça de quase todas as
pessoas, e os profissionais de saúde não são exceção. Assim, eles
condenam corretamente aquilo que imaginam incorretamente ser a dieta
paleolítica.
Muitos ficam surpresos quando eu mostro que a primeira menção do termo
nutrição paleolítica foi em 1985 no periódico médico mais importante do
mundo, o "New England Journal of Medicine". Ou seja, não é uma dieta da
moda que surgiu dois ou três anos atrás. A recente publicação de uma
metanálise mostrando que a dieta paleolítica é mais eficaz do que a
aplicação das diretrizes nutricionais vigentes em pacientes portadores
de síndrome metabólica tem facilitado um pouco mais a aceitação deste
tipo de orientação no meio médico, embora a metanálise em si ainda seja
pouco divulgada.
Penso que toda e qualquer diretriz oficial é difícil de ser mudada
porque existe uma inércia natural, oriunda do fato de que há uma
resistência à mudança por parte de profissionais mais antigos, aliado ao
fato de que as pessoas que construíram suas carreiras e reputações em
cima de tais diretrizes têm uma dissonância cognitiva importante para
admitir que as diretrizes pudessem estar erradas.
Acrescente-se a isso o fato de que médicos não têm nenhuma formação
sobre nutrição na faculdade. Por este motivo, tendem a aceitar cegamente
o que dizem as diretrizes nutricionais vigentes, pois não sentem-se
capacitados para criticá-las. No entanto, o acúmulo de evidências de
alto nível, como ensaios clínicos randomizados e metanálises, têm
produzido mudanças extremamente rápidas como as que estamos vivendo nos
últimos dois anos.
4)
O livro "Por que engordamos e o que fazer para evitar", de Gary Taubes,
critica a forma como olhamos para a contagem de calorias e a pirâmide
alimentar defendida pela maioria dos nutricionistas. Como o conceito de
balanço calórico funciona e porquê a estratégia do "déficit calórico"
não é a fórmula mais indicada para quem decide perder peso? Alguns
fatores como exercício sem dieta, questões genéticas e níveis de
estresse, por exemplo, podem interferir nesse processo?
Existe um conceito básico em biologia chamado homeostase, isto é, a
tendência de um organismo vivo de buscar o equilíbrio quando este tiver
sido perdido. Por exemplo, se eu coloco uma pessoa em um ambiente frio,
haverá uma resposta homeostática para trazer a sua temperatura de volta
ao normal, envolvendo tanto comportamentos, como o de agasalhar-se e
buscar o calor do sol, como alterações fisiológicas, tais como tremor e
palidez da pele. O que não parece ser necessário é usar um termômetro
para saber exatamente a temperatura do seu corpo para só então decidir
se você deve botar ou tirar um casaco: o corpo regula isso
automaticamente.
O fato de que é necessário haver um déficit calórico para que haja perda
de gordura corporal levou as pessoas à conclusão de que é necessário
produzir este déficit calórico de forma consciente através da
abstinência do consumo de comida. Isso seria análogo a tratar uma febre
mergulhando a pessoa numa banheira de água fria para baixar sua
temperatura, ao invés de ir na causa (por exemplo, uma infecção) que,
uma vez tratada, levará automaticamente ao retorno da temperatura
normal.
Quando consumimos uma dieta menos rica em carboidratos refinados, a
tendência é que o controle homeostático do balanço energético passe a
funcionar, e a pessoa tende a perder peso sem fazer força: ou seja, sem
passar fome. Isso já foi demonstrado em dezenas de ensaios clínicos
randomizados. O mesmo ocorre no que diz respeito ao exercício físico: as
calorias gastas na atividade física são homeostaticamente compensadas
pelo aumento do apetite ou mesmo pela redução da taxa metabólica nas
horas em que não estamos nos exercitando.
Então, a ideia de que basta comer menos e fazer mais exercícios não é a
mais correta para quem precisa perder peso. Uma estratégia de restrição
de carboidratos leva a uma redução espontânea do apetite na maioria das
pessoas. Já uma pirâmide alimentar que estimula as pessoas a consumir
60% de suas calorias na forma de pães, massas, bolos, biscoitos, arroz e
barrinhas de cereal é uma receita para a explosão de obesidade e
diabetes em meio à qual vivemos.
Por fim, há vários fatores que podem interferir neste processo. Mas
penso que o mais importante é a sensibilidade ou a resistência à
insulina. Indivíduos portadores de resistência à insulina, um traço que
pode ser genético, tendem a responder muito melhor à restrição de
carboidratos na dieta do que aqueles indivíduos que não têm essa
característica. Mais uma vez, submeter indivíduos resistentes à insulina
à uma dieta como a proposta pela antiga pirâmide alimentar é um
verdadeiro desastre.
5)
Afinal, de onde vem esse medo instaurado sobre as gorduras saturadas já
que não há evidências de que a inclusão delas na nossa dieta aumente o
risco de ataques cardíacos ou de quaisquer outros eventos
cardiovasculares. A dieta de baixa gordura está mesmo morta?
O medo da gordura vem do final dos anos 50 e início dos anos 60 quando
se descobriu que a gordura saturada da dieta elevava o colesterol (na
época, só era conhecido o colesterol total; posteriormente descobriu-se
que a gordura saturada, em geral, aumenta a mais o HDL, colesterol bom).
Como o colesterol elevado é um fator de risco para doença
cardiovascular em certas populações (por exemplo, homens com menos de 55
anos de idade) deduziu-se que a restrição de gordura na dieta seria a
solução.
Este é um dos exemplos famosos em que estudos epidemiológicos levaram a
conclusões equivocadas, que foram retificadas por estudos prospectivos e
randomizados. Vários ensaios clínicos randomizados foram conduzidos
para testar a hipótese de que a gordura na dieta estivesse causando
doença cardiovascular e, mais especificamente, de que a redução da
gordura na dieta pudesse reduzir os eventos cardiovasculares.
Muitas décadas depois, podemos afirmar que a restrição da gordura na
dieta não tem nenhum efeito sobre a incidência de doença cardiovascular,
de modo que a dieta de baixa gordura está efetivamente morta. Existe
ainda algum debate no que diz respeito a gordura saturada, se seria
apenas neutra ou se poderia ser melhor substituí-la por gorduras
insaturadas (como peixe ou azeite de oliva por exemplo), mas é certo que
a substituição da gordura saturada por carboidratos refinados é muito
pior do que consumir este tipo de gordura.
Mas este foi o efeito da demonização da gordura saturada décadas atrás, e
é isto que temos que evitar com a questão da carne vermelha nos dias de
hoje: demonizar um alimento com poucas evidências de que seja realmente
problemático, levando então ao consumo compensador de outros alimentos
muito piores.
6)
Laticínios não faziam parte da dieta paleolítica, mas há variações da
paleo que adotam esses alimentos. Atualmente há uma tendência de consumo
de produtos sem o açúcar do leite e seus derivados. Por conta da adição
da enzima que quebra esse carboidrato, os produtos sem lactose
interferem menos em nossa produção de insulina?
A lactose é um dissacarídeo, isto é, uma molécula composta por dois
açúcares quimicamente ligados: a glicose e a galactose. O leite sem
lactose é um leite que foi tratado com enzima lactase, que simplesmente
quebra esta ligação química entre estes dois açúcares. Mas a quantidade
total de açúcar contida neste leite é a mesma.
Portanto, não faz diferença para quem quer restringir carboidratos na
dieta. Se uma pessoa quer consumir laticínios mas está fazendo uma dieta
de baixo carboidrato, deverá optar pelos derivados fermentados do leite
pois, neste caso, os lactobacilos converteram a lactose em ácido
lático, de modo que o açúcar efetivamente deixou de existir. Exemplos
são o queijo e o iogurte natural integral.
7)
Sobre a síndrome metabólica e o vício de açúcar que desenvolvemos com
manutenção de altos níveis de insulina no sangue. É possível continuar
comendo sobremesas alternativas quando seguimos uma dieta LCHF. Existem
receitas com "comida de verdade" que saciem nossa vontade de comer algo
mais adocicado?
Há muitos pesquisadores convencidos, baseado tanto em estudos em modelos
animais como em seres humanos, de que o açúcar tem um potencial de
abuso semelhante ao das drogas. Assim, não é fácil livrar-se do vício do
doce. Para algumas pessoas, é possível parar de repente. Para muitos, é
necessário o uso do adoçante como um paliativo.
Costumo comparar o uso de adoçantes ao uso de adesivos de nicotina por
fumantes que estão tentando deixar o vício. Penso, portanto, que, para
algumas pessoas, estas sobremesas alternativas que empregam adoçantes
artificiais são uma estratégia válida, da mesma forma que adesivos de
nicotina com o objetivo de, no futuro, livrar-se completamente do vício.
Em termos de comida de verdade, quem cumpre papel de sobremesa são as
frutas, e a quantidade de frutas que a pessoa poderá consumir dependerá
de quanto peso ela precisa perder, ou de como está a regulação de sua
glicose sanguínea, no caso dos diabéticos.
8)
Hoje você é uma das principais referências no estilo de vida paleo do
Brasil. Como você avalia o interesse desse público? Em breve teremos uma
nova geração de pessoas mais focadas em "comida de verdade" com uma
densidade nutricional maior? Em que medida essa ideia da alimentação low carb, completamente livre de grãos e açúcar na dieta diária, é inviável para o futuro da indústria alimentícia?
O crescimento do interesse tem sido exponencial. Isto é visível nas
estatísticas de acesso a blogs como meu, e mesmo no interesse despertado
pelo assunto que leva a entrevistas como esta por exemplo. Gostaria de
acreditar na ideia de que estamos formando uma geração de pessoas mais
focadas em comida de verdade, mas o fato é que a conveniência costuma
falar mais alto. Minha visão pessoal é a de que haverá sempre um grupo
relativamente pequeno de pessoas mais focadas em sua saúde.
Meu objetivo é que estas pessoas tenham acesso a informações que sejam
realmente úteis, diferentemente das diretrizes vigentes, que fazem com
que muito do esforço empregado por estas pessoas genuinamente
interessadas em melhorar sua saúde seja em vão. A proposta da dieta
paleolítica é difícil de conciliar com indústria alimentícia, na medida
em que a dieta paleolítica prega uma alimentação mais parecida com
aquela com a qual evoluímos, ou seja plantas e animais sem processamento
industrial. Eu consigo vislumbrar, isto sim, uma aliança entre o
conceito de dieta paleolítica e os movimentos de comida orgânica, comida
local, e da volta ao hábito de cozinhar. No mundo em que vivemos,
cozinhar é um hábito quase subversivo.
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